Contra o modelo mental da opulência

Contra o modelo mental da opulência

“Trabalho numa empresa que se diz socioambientalmente responsável. E a sustentabilidade,  nesse  último ano, virou uma espécie de mantra. Mesmo antes disso ser moda, sempre tive preocupações com reciclagem de lixo, economia de recursos e redução de impactos ao meio ambiente. Hoje deveria estar me sentindo no céu. Mas não estou. Nas reuniões, todo mundo aplaude minhas posições. No dia a dia, até o meu chefe, que é líder de sustentabilidade do departamento, me acha exagerado e inconveniente. Ninguém fala na frente. Mas sei dos comentários. As pessoas parecem se satisfazer com o protocolo. Na prática, não são nem querem ser mais sustentáveis…”
Este trecho foi extraído de e-mail enviado à coluna, na semana passada, por um profissional de 26 anos, analista de Recursos Humanos de uma grande corporação brasileira, cujo nome, por razões óbvias, não será revelado. Ao final da mensagem, o jovem autor confessa, entre indignado e aborrecido, que resolveu desacelerar sua pregação sustentável para não sofrer o estigma de eco-chato e encurtar sua carreira na companhia.
Embora soe atípico, o caso é mais comum do que se imagina. Os que defendem a incorporação de hábitos ambientalmente corretos ainda são vistos como inconvenientes, não só nas empresas mas em outras instâncias,  sobretudo porque pregam restrições a partir de uma noção de potencial escassez ante um modelo mental predominantemente ancorado na lógica da abundância. Uma lógica para lá de discutível, diga-se. Principalmente depois que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas acionou o sinal vermelho do aquecimento global. Mas uma lógica que, mesmo defasada, ainda persiste como uma espécie de ato inconsciente e coletivo de resistência às evidências sobre a desastrosa intervenção humana no planeta.
A despeito dos recentes alertas científicos de que o homem está retirando da natureza mais do que ela é capaz de repor, muitas empresas continuam utilizando o mesmo modo de pensar do século XVIII, nos primórdios da revolução industrial, quando se imaginava que a Terra era ilimitada e seus recursos estariam sempre prontos para servirem de insumos aos mercados. No Brasil, mais grave ainda, a falácia da abastança é parte integrante de nossa cultura, fator distintivo de uma afirmação nacional de grandeza, da mística furada de que aqui nada nunca faltará porque a terra foi abençoada por Deus. Essa tese pode ser observada cotidianamente, não apenas nas linhas de produção de empresas, mas também, de modo mais prosaico, na legião de senhoras que limpam suas calçadas com mangueiras como se aquela água brotasse de uma mina inesgotável. Até Al Gore está investindo em água potável porque sabe que, em um horizonte de 50 anos, ela vai custar mais do que uísque escocês. E aqui, desperdiça-se, sem cerimônia, o recurso que garante a vida.
Qualquer um, portanto, que evoque a contenção de hábitos perdulários tende a ser visto como porta-voz dissonante do que é mesquinho, um ruído desagradável na teoria predominante da opulência que, apesar de conveniente, escora-se tão somente em ilusão culturalmente disseminada. Nada mais.
Nas empresas, onde a tudo costuma-se atribuir valor econômico, atitudes como a do jovem analista de RH, autor da mensagem que abre o artigo, são vistas como exageradas ou desimportantes porque parecem não gerar valor direto para o produto final. Ledo engano. Mais do que adicionar valor tangível imediato ao que se vende,  atitudes sustentáveis produzem riqueza de significado ainda não mensurável, e por tabela, não valorizado pela economia convencional. Inserem-se no conjunto de atividades que Alvin Tofler, em seu livro Riqueza Revolucionária, classifica como “prosumo” (produção para consumo próprio), isto é, ações humanas estruturantes, integradas a uma economia oculta e não-monetária, que resulta em coesão social e bem-estar econômico.
À luz desse conceito, provocativo e inspirador, vale a pena refletir sobre a seguinte indagação: “Se fosse atribuir valor financeiro, em reais, quanto valeria para o PIB nacional o trabalho dos funcionários socioambientalmente engajados, dos pais que ensinam os filhos a respeitarem o outro e o meio ambiente, dos professores de educação ambiental, dos ambientalistas que defendem o ecossistema, da ação de empresas sustentáveis, dos voluntários que atuam para eliminar desigualdades sociais, dos artistas que usam a sua arte em nome da promoção de idéias verdes, dos consumidores que recompensam e punem empresas de acordo com seus compromissos socioambientais, dos líderes que tomam decisões de negócio sustentáveis e dos que ousam oferecer o contraditório ao equivocado modelo mental da abundância?”
Muito, sem dúvida. À falta de métricas apropriadas, por hora, para dimensionar o exato valor monetário desses homens e mulheres, vale destacar que eles são hoje o que o dramaturgo alemão Bertold Brecht um dia chamou de “imprescindíveis”.

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