Que os ocidentais têm uma atração por listas e rankings, todo mundo já sabe. Em seu livro A Vertigem das Listas (2009), o sociólogo italiano Umberto Eco (autor de O Nome da Rosa, disponível na Netflix) discorreu muito bem sobre este ancestral fetiche por classificar e organizar informações, seja na história da arte seja na literatura.
Eco ressoou-me forte na última semana, depois de eu ser desafiado por seguidores, alunos e ex-alunos a atualizar a minha lista dos “melhores livros de sustentabilidade”. Não me surpreende o atual apetite dos leitores. Com a crescente valorização da sustentabilidade no universo corporativo (em razão da ascensão global do conceito de ESG), e, por consequência, o maior interesse profissional sobre o tema, aumentou o número de pessoas simplesmente querendo melhorar o repertório.
Complexa, a tarefa de listar livros impõe, no entanto, dois atos de prudência. Primeiro: recomendar apenas livros lidos — sei que parece óbvio, mas, em tempos de atenção líquida, nunca é demais ressaltar. Segundo: admitir, por princípio, que se trata de um trabalho subjetivo, na medida em que distintos livros causam impactos distintos em leitores distintos.
Não se pode ainda mergulhar nessa missão sem a ressalva de que ela não resultará “na lista” mas, no máximo, na “minha lista” das 50 obras clássicas de sustentabilidade.
Defino como “clássicas” as obras precursoras, inovadoras em conceitos e originalmente disruptivas em sua mensagem. Livros que me provocaram reflexões profundas, levaram-me a pensar/repensar ideias, induziram desconstruções/reconstruções ou contribuíram, de forma muito particular, para um entendimento mais amplo acerca de perspectivas novas – esses são os filtros que utilizei na escolha da minha estante preferencial.
É justo também sublinhar que o meu primeiro inventário tomou como ponto de partida, e bússola intelectual, duas outras relações elaboradas por especialistas que admiro há mais de duas décadas. Com base num estudo (2009) feito com ex-alunos da universidade de Cambridge, Waine Visser, professor de Liderança em Sustentabilidade daquela escola, organizou um super compêndio dos 50 melhores livros de sustentabilidade. Fundada por Paul Hawken, a WiseEarth, organização colaborativa global on line, com mais de 100 mil integrantes, montou um outro catálogo com 25 obras.
Do cruzamento dessas duas listas, há seis livros comuns. Cinco deles, ocupam espaço inequívoco na minha prateleira dos “imprescindíveis.” Quatro inserem-se na categoria “desbravadores” pois foram fundamentais ao elencar conceitos até então desconhecidos e acelerar o debate sobre novas teorias ambientais. Básico entre os básicos, Do Berço ao Berço (GG, 2014), de William McDonough e Michael Braungart é o primeiro grande livro global em defesa da reciclagem e da economia circular. Visionário, Capitalismo Natural (Cultrix, 2000), de Paul Hawken, Amory e Hunter Lovins rompeu paradigma ao retratar uma “nova revolução industrial” orientada pela ideia de produzir mais com menos impactos ambientais.
Necessário e poderoso, Primavera Silenciosa (Gaia, 2010), da cientista e ecologista Rachel Carson, transformou-se num libelo contra os pesticidas, e contribuiu diretamente para o banimento do DDT nos EUA. Reformador, A Ecologia do Comércio (HarperBusiness, 1994), do mestre Hawken, uma recomendação de como fazer negócios sem destruir os sistemas naturais, influenciou decisivamente gente graúda como Ray Anderson na famosa revolução verde que ele promoveu em sua InterfaceFlor.
Revisitei o quinto título dessa relação, Colapso (Record, 2007), de Jared Diamond, durante a pandemia. E ele não perdeu em nada o seu frescor. Obra atemporal, associa a extinção de algumas civilizações, como os maias e os vikings da Groelândia, às mudanças climáticas e ao desrespeito aos limites do meio ambiente, propondo uma oportuna comparação com a nossa era do antropoceno.
Da grande lista de Visser, estão na minha biblioteca seis livros obrigatórios para quem quer entender melhor os desafios ambientais e sociais de sustentabilidade. Deixar de lê-los é o mesmo que tentar entender Matemática sem ter conhecido Euclides, Arquimedes, Pítagoras e Isaac Newton.
Gaia (Edições 70, 2020), de James Lovelock, um belíssimo tratado de astronomia e biologia, apresenta a Terra como um organismo vivo que cria e utiliza, de modo equilibrado e dinâmico, sem desperdício, todos os recursos necessários à sua sobrevivência. O transformador Small is Beautiful (Harper Perennial, 2010), de EF Schumacher, um dos 100 livros mais influentes desde a Segunda Guerra segundo “The Times”, propôs nos anos 1970 um inédito olhar crítico sobre a insustentabilidade da economia e o uso excessivo de recursos naturais.
Nosso Futuro Comum, de Gro Bruntland, foi o primeiro documento global relevante a tratar do conceito de desenvolvimento sustentável no âmbito dos grandes encontros das Nações Unidas. O fabuloso Desenvolvimento como Liberdade (Companhia de Bolso, 2010), obra-prima do economista e prêmio Nobel Amartya Sen, foi pioneiro ao relacionar a promoção do bem-estar com o valor da vida humana e suas liberdades inegociáveis. História do Grameen Bank, Banqueiro dos Pobres (Ática, 2000), de Muhamad Yunus, ensinou ao mundo como construir uma experiência bem-sucedida de microcrédito para populações de baixa. E o vanguardista Canibais com Garfo e Faca, constituiu a primeira grande obra de sucesso do sociólogo inglês, John Elkington, criador do conceito de triplle bottom line e um bandeirante do debate de responsabilidade social empresarial no mundo. Lovelock, Bruntland, Sen, Yunus e Elkington, no mesmo carrinho, é um pacote generoso de biscoitos finos.
Da lista de Cambridge, destaco outras sete obras que considero, cada uma a seu modo, provocativas e inspiradoras. Duas tratam das profundas questões sociais que estão na base de parte do 17 ODS. Em O Fim da Pobreza (Cia das Letras, 2005), o economista Jeffrey Sachs, segundo a revista “Time” uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, entrega uma proposta viável para acabar com a miséria até 2025. No monumental Riqueza na Base da Pirâmide (Bookman, 2009), C.K. Prahalad, professor da Universidade de Michigan, C.K. Prahalad), ensina como companhias inteligentes e inovadoras podem gerar valor vendendo para camadas mais pobres da população. Dois clássicos, sem dúvida. Vigorosos, como convém aos melhores clássicos.
Na mesma linha, o consultor norte-americano Stuart Hart sugere, em O Capitalismo na Encruzilhada (fora de catálogo), conciliar a criação de valor e riqueza com a expansão dos negócios e a promoção da qualidade de vida da sociedade. Já O Relatório Stern (Campus, 2010), do economista britânico Nicholas Stern, tem o mérito de ser o primeiro estudo de fôlego a ressaltar, com dados e projeções, os efeitos das mudanças climáticas na economia mundial.
Gosto especialmente do incrível Espírito Ávido, do filósofo irlandês Charles Handy, livro precursor no debate sobre liderança orientada por valores e uma das bases conceituais que usei no meu livro Escolas de Líderes Sustentáveis (SenacSP, 2013).
Os outros dois da lista de Visser, A Corporação, de Joel Bakan, e Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore, derivaram em excelentes documentários sobre o insulto de empresas a direitos humanos e o aquecimento do planeta. Por essa razão, recomendo ler os livros e ver os filmes. Principalmente no caso da obra de Gore, o filme conferiu a uma apresentação de ppt a escala necessária para influenciar o debate climático global.
Retorno aos “Top 25” da WiseEarth. E deles pinço três gigantes para a minha estante essencial dos livros “bons de estudar”: A Economia Verde (Gente, 2009), de Joel Makower; A Vantagem da Sustentabilidade (New Society Publishers, 2002), de Bob Willard e Plano B 4.0, de Lester Brown – livro denso que tive a honra de editar no Brasil, em 2009, pela Ideia Sustentável, depois de receber o aval do autor. O primeiro, de Makower, antecipa tendências e traça um quadro amplo de oportunidades para empresas interessadas em prosperar no que ele chama de uma “nova era de negócios.” O segundo, de Willard, um observador agudo, traz sete business cases didáticos de empresas que colocaram a sustentabilidade no centro de suas estratégias. Aprende-se observando quem fez bem e saiu na frente.
Fora das duas listas, não faltariam na minha cesta básica de sustentabilidade quatro títulos: A Empresa Sustentável (Elsevier,2007), de Andrew Savitz, sobre as benesses da inovação em sustentabilidade; Verde que Vale Ouro (Elsevier, 2008), de Daniel Easty e Andrew Winston, a respeito da criação de valor e vantagem competitiva decorrentes de estratégias ambientais; The Natural Step (Cultriz,2003), de Karl-Henrik Robert, uma revolução silenciosa sueca ditada pela ascensão de negócios mais sustentáveis; e o fenomenal Inteligência Ecológica (Campus, 2009), de Daniel Goleman — este último livro, vale o registro, funcionou para mim como um laboratório de insights sobre como a tecnologia transferirá aos consumidores poder de escolher produtos e marcas com menor impacto socioambiental.
Antes de partir para a atualização da lista, proponho agora um exercício ao leitor: arrolar, por ordem de decrescente de impacto, os 10 livros de sustentabilidade mais importantes em sua formação profissional. Tenho a minha relação. Começo com aqueles que me ajudaram a rever conceitos, teorias e práticas. Ou mesmo produziram aquele desconforto necessário à mudança.
Gosto de livros autobiográficos que chacoalham a poeira de ideias velhas. É o caso de Lições de um Empresário Radical (Cultrix,2011) de Ray Anderson. Conta como um empresário do ramo de carpetes, incomodado com a produção de resíduos, decidiu dar uma guinada na forma de fazer negócio, tornando-se protagonista, à época, de um dos mais exitosos casos de sustentabilidade empresarial no mundo. Na vanguarda, Anderson foi personagem do meu primeiro livro, Conversas com Líderes Sustentáveis (SenacSP, 2011).
Lições de um Empresário Rebelde (WMF/Martins Fontes, 2015), de Yvon Chouinard, tem a mesma pegada. Fundador da Patagonia, icônica marca de roupas esportivas sustentáveis da Califórnia, o alpinista canadense ensina como enfrentou a lógica convencional de marketing realizando campanhas para evitar a compra por impulso do próprio produto. No final de 2022, Chouinard anunciou a doação de todo o patrimônio da empresa a um fundo ambiental.
Na sequência, não posso deixar de citar Prosperidade sem Crescimento (Planeta Sustentável, 2013), de Tim Jackson. O que esse livro tem de vigoroso em sua tese central tem também de agudo nos argumentos sobre a inviabilidade do crescimento infinito num planeta de recursos finitos. Sua leitura respondeu a questões que me incomodavam havia 10 anos e que, ainda hoje, a maioria dos economistas prefere não enfrentar. O fato de ter lido seis vezes A Revolução Decisiva (Elsevier, 2008), de Peter Senge (e colaboradores) já seria suficiente para explica sua inclusão nessa lista. O que mais me fascinou na obra, no entanto, foi o relato meticuloso de histórias inspiradores de empresas e líderes que estão fazendo a diferença por um mundo melhor. Porta-voz da teoria sistêmica, Senge propõe ainda – e este é um diferencial – o desenvolvimento de habilidades e atitudes compatíveis com os desafios do nosso tempo.
Green Swans (Fast Company Press, 2020), de Jonh Elkington, foi um dos meus livros de cabeceira no meio de pandemia. Se há algo que aprecio em Elkington é a sua inquietude, a capacidade de se desapegar de suas próprias ideias (como a do triple botton line, que já considerou superada) e de projetar o futuro a partir de uma visão propositiva. Nesse livro sobre capitalismo regenerativo, um dos pioneiros no estudo de sustentabilidade identifica os atores e as forças de inovação atuais que estão empurrando o mundo para um estágio de desenvolvimento mais sustentável.
Tanto The Upcycle: Além da Sustentabilidade (North Point Press, 2013), da dupla McDonough e Braungart, uma espécie de extensão prática de Do Berço ao Berço, quanto Inovação Inspirada pela Natureza (Cultrix, 2003), de Janine Benius; que trata da biomimética aplicada ao desenho de embalagens e produtos ou ainda Estratégia para a Sustentabilidade (Campus, 2010, fora de catálogo), de Adam Werbach, são livros práticos e bons para consulta. Já A Política da Mudança Climática (Zahar, 2010), do sociólogo britânico Antonny Guiddens, acerca de possíveis soluções para o aquecimento global e Regenerative Leadership (Wordsworth, 2019), de Giles Hutchins e Laura Storm, sobre o desafio de liderar para a regeneração do planeta, são obras encorpadas que exigem mais do leitor e requerem um mergulho mais atento (no primeiro caso) em dados e conceitos e (no segundo) em frameworks.
Atualizando a lista, para chegar a uma biblioteca de 50 livros essenciais, acrescento outros 15 títulos sobre os quais escreverei num próximo artigo:
Se esta lista dos “Best 50” servir para provocar o debate sobre livros de sustentabilidade, já terá cumprido muito bem sua função. Agora, recomendo, monte também a sua. E, mais do que isso, comece a ler livros que podem abrir novos horizontes de formação pessoal e profissional. A uma média de um livro por mês, em quatro anos você terá vencido a maratona de leitura aqui proposta.
**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e co-fundador de NetZero.
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