“Começamos a construir uma estrada”, diz executiva PCD que acaba de ser nomeada para um cargo de liderança na Petrobras

“Começamos a construir uma estrada”, diz executiva PCD que acaba de ser nomeada para um cargo de liderança na Petrobras

“Não adianta nada promover uma festa diversa, com todos os tipos de pessoas convidadas, se você não chamar cada uma delas para dançar”.

É assim que Thais Ribeiro Pessanha, 41 anos, gerente de Diversidade, Equidade e Inclusão da Petrobras, gosta de definir o que ela acredita ser o real significado de inclusão. Thais nasceu com o que os médicos chamam de osteogênese imperfeita congênita, condição popularmente conhecida como “ossos de vidro”. Sua fragilidade óssea foi responsável por mais de 300 lesões ao longo da vida, segundo seus próprios cálculos, mas não suficiente para impedir que ela se formasse em curso técnico e trabalhasse para a estatal mais concorrida do país. Primeiro, como terceirizada, depois concursada em nível técnico e, após a graduação, concursada em nível superior.

O cargo que ocupa hoje foi preenchido após outras 159 pessoas terem se inscrito em um processo seletivo interno, em que uma das premissas era de que o candidato ou candidata fosse de um dos grupos costumeiramente sub-representados, como mulheres, negros e pardos, LGBTQIA+ e PCDs. Era o momento que, enfim, eles estavam sendo convidados a dançar.

Thais Pessanha tem hoje pela frente o desafio e a oportunidade de dar sequência a políticas afirmativas já existentes na Petrobras – que, atualmente, reserva 8% de vagas para PCDs – e aprofundá-las. Em entrevista a NetZero, a executiva, autora do livro “Sobre Rodas – Um espírito em movimento”, analisa o cenário corporativo atual pela perspectiva da diversidade, equidade e inclusão e demonstra otimismo ao pensar nas possibilidades tanto do presente como a de construir um futuro mais justo.

***

NETZERO: O seu cargo é descrito em três palavras: Diversidade, Equidade e Inclusão. Em que aspecto elas se complementam e podem ser pensadas em conjunto?

THAIS PESSANHA: Não é que podem, mas elas devem ser pensadas em conjunto. Tem uma fala bem popular que todos costumam usar para dar um entendimento do que é isso, para além de uma definição de dicionário.

Diversidade é você chamar todas as pessoas para o baile, para a festa. A inclusão se dá a partir do momento em que essas pessoas não só estão na festa, mas são convidadas para dançar.

Equidade é justamente a ponte entre promover a diversidade e a inclusão, que é você dar os recursos que forem necessários para que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades dentro daquele contexto social que elas estiverem convivendo.

A Petrobras é uma empresa com a qual grande parte dos brasileiros se identifica. Pode-se, portanto, afirmar que uma política séria de inclusão, entre outras políticas afirmativas, impacta a sociedade como um todo?

É o que a gente espera: não só promover um ambiente interno melhor para as pessoas que trabalham dentro do nosso quadro, para toda a nossa força de trabalho, mas, também, para nossos parceiros e para a comunidade. A gente tem por raiz, digamos assim, esse olhar extramuros, essa preocupação com a inserção dentro da comunidade, dentro da sociedade, temos consciência do papel social que a Petrobras tem dentro desse contexto em que a gente vive.

Quais os principais desafios para promover diversidade e inclusão numa grande empresa, como a Petrobras?

Eu consigo falar pela Petrobras, mas não sobre outras empresas, já que cada uma está num estágio de maturidade diferente. Então, as análises não podem ser generalizadas. Mas, talvez, um ponto em comum da Petrobras com qualquer outra empresa brasileira é uma mudança de cultura mesmo. A gente tem a quebra de alguns paradigmas, de alguns pré-conceitos, conceitos que foram socialmente estabelecidos sobre determinados grupos que são historicamente sub-representados. Então, existe essa mudança de cultura que não é inerente ao corpo de trabalho dentro da Petrobras, ela não é específica da força de trabalho da Petrobras. Mas é uma mudança de cultura brasileira, da nossa sociedade.

Existe uma evolução na quebra desses pré-conceitos?

A gente está num nível de discussão e de maturidade que não tínhamos há vinte anos, é uma própria evolução da sociedade e, é claro, isso se reflete dentro da empresa, que é feita de pessoas. Este é o nosso grande valor. São as pessoas que a gente tem dentro da nossa casa construindo isso tudo. Então, isso reflete uma mudança de cultura que a sociedade brasileira vem passando.

Muito se fala sobre impacto positivo da promoção da diversidade e da inclusão no mundo corporativo, inclusive na produtividade. Portanto, financeiramente, também vale à pena investir nesses valores?

A temática diversidade, equidade e inclusão está dentro do eixo de gestão de pessoas ligadas a Direitos Humanos, sendo, portanto, inegociável: é um imperativo ético que todos nós deveríamos ter. Mas, para além do imperativo ético, a gente sabe que existem norteadores mercadológicos, existe um contexto econômico em que todos nós estamos inseridos.

E já há vários estudos que comprovam e reforçam o quanto o ambiente diverso, além de ser melhor para se trabalhar, está associado ao fato de ser uma empresa com potencial de inovação muito maior. Então, quanto mais diverso o ambiente, maior o seu potencial de inovação e traz outros benefícios em várias dimensões, como engajamento das pessoas, comprometimento, satisfação. Além do fato de que se você tem ambiente diverso, promove a criatividade, porque tem diferentes pontos de vista, diferentes olhares. Isso faz com que se olhe o mesmo problema, mas cada um possa vislumbrar possibilidades e soluções diferentes para aquele mesmo problema, e eu acabo tendo decisões mais ponderadas e com multiplicidade de olhares.

Há também mais proximidade com o consumidor?

Você acaba representando a sociedade, já que a nossa sociedade é diversa. Se você consegue fazer um reflexo da diversidade dessa sociedade dentro do seu ambiente de trabalho, aí a gente começa a discutir a importância da representatividade. Porque se você consegue trazer esses olhares diversos que a sociedade tem para o seu negócio, você começa a trabalhar muito melhor questões de user experience. Você consegue vivenciar o que os seus usuários e seus potenciais clientes vivenciam na prática. E isso abre uma série de vantagens competitivas para qualquer empresa.

Como tornar temas como inclusão, diversidade e equidade transversais dentro de uma grande empresa, fazendo com que sejam compreendidos e praticados em todas as áreas?

Eu acredito que isso vindo como apoio da alta administração de qualquer empresa é um dos diferenciais que se têm. Então, você ter isso na empresa como um norteador, não só um norteador ético, mas como um valor mesmo daquela empresa, daquela companhia, isso ser patrocinado pela alta gestão, eu acho que é a prerrogativa primeira que a gente tem que ter para a gente conseguir começar a transformação desse ambiente de trabalho num ambiente mais diverso, mais inclusivo, mais equânime. A gente sai do lugar de ações pontuais proativas para uma visão estrutural.

Como alcançar a meta de ter mais pessoas com deficiência em cargos de liderança?

É uma construção de médio e longo prazo – mas a curto prazo há diversas ações afirmativas que empresas estão fazendo para chegar nesse lugar de maior representatividade para todo mundo, de equidade e de inclusão. Então, não diria que isso seria só para os PCDs.

Os PCDs também estão dentro de um arcabouço desses grupos historicamente sub-representados e que a gente quer ver a representatividade deles em todos os espaços sociais como toda e qualquer pessoa. E isso inclui a liderança de empresas, sendo um dos espaços sociais em que as pessoas têm que passar a ser vistas e com naturalidade, não com espanto.

A promoção da diversidade, da igualdade e da equidade no meio corporativo será um conjunto de práticas orgânicas ou, na sua visão, por muito tempo precisarão de intencionalidade para serem executadas?

A gente sempre trabalha com uma esperança muito grande de que estar construindo uma estrada para que isso se torne orgânico e que a gente não precise ter ações afirmativas, como, por exemplo, cotas em universidades e em concursos. Vai fazer parte da nossa sociedade, como deveria fazer, de uma forma equânime e tendo essa representatividade em todos os grupos, independentemente de identidades e características.

Vai ser uma estrada curta? Não, não vai. E a gente tem consciência disso, consciência de que eu vou começar a construção e passar a pá para alguma outra pessoa, que ainda vai continuar construindo essa estrada, porque é uma mudança de médio longo prazo quando a gente fala de mudar a cultura de uma sociedade inteira.

Ainda temos muito a evoluir, estamos longe de estarmos num estágio favorável, confortável, mas acho que agora estamos pegando mais ritmo, são mais pessoas envolvidas fazendo esse movimento. Então, não é mais uma andorinha só. São várias andorinhas juntas que vão fazer um verão bonito.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?