Cinema Social – Planeta dos homens, sem o homem?

Cinema Social – Planeta dos homens, sem o homem?

No célebre final de “O Planeta dos Macacos” (1968), clássico da ficção científica no cinema dirigido pelo norte-americano Franklin J. Schaffner (1920-1989) a partir de um romance do francês Pierre Boulle (1912-1994), o astronauta George Taylor (interpretado por Charlton Heston) chegava por acidente a uma descoberta amarga: o planeta no qual caíra depois de um acidente com a espaçonave e onde procurava sobreviver, a duríssimas penas, fugindo dos símios que o dominavam, era na verdade a Terra. Séculos adiante do nosso tempo, com marcas apenas arqueológicas do que teria sido a sociedade de consumo.
O sofrimento de Taylor era duplo. No plano pessoal, ele se via sem casa para a qual voltar, família ou amigos a reencontrar, nem mesmo se pudesse consertar a espaçonave. A descoberta o condenava a viver até o fim no planeta que agora era dos macacos. Na esfera histórico-filosófica, contudo, ele estava desiludido com a civilização. “Vocês conseguiram!”, dizia ele, ao se dar conta de que “eles” — o sabichão homem contemporâneo, capaz de viajar pelo espaço — haviam comprometido, com alguma conduta irresponsável, a sobrevivência da espécie.
O sucesso de “O Planeta dos Macacos” gerou uma série de longas para cinema e um seriado de TV. Nos filmes seguintes, a explicação para o domínio do planeta pelos macacos ganha outra dimensão; tem mais a ver com anacronismos temporais (tema caro à ficção científica) e com a capacidade símia de desenvolvimento intelectual do que com alguma catástrofe socioambiental desencadeada pelo homem. A imagem de Charlton Heston diante de ruínas da Estátua da Liberdade, contudo, mantém até hoje grande força para simbolizar os danos que o homem talvez seja um dia capaz de fazer ao único lar de que dispõe em todo o sistema solar.
Quatro décadas depois de Taylor encontrar a Terra povoada por macacos, situação também tratada à época como alegoria das relações entre brancos e negros nos EUA, uma onda recente de filmes e programas especiais de TV sugere que o tema da devastação voltou à agenda da indústria de entretenimento. Antes confinados à esfera da ficção científica e suas distopias localizadas em futuro distante, os cenários catastróficos se tornaram potencialmente mais próximos, na escala temporal de percepção da realidade, graças à intensa disseminação de informações sobre a deterioração das condições ambientais.
As primeiras projeções alarmistas sobre os efeitos do aquecimento global, por exemplo, geraram “O Dia Depois de Amanhã” (2004), em que um especialista em filmes-catástrofe, o alemão Roland Emmerich (o mesmo de “Independence Day” e “Godzilla”), inunda Nova York e obriga um pequeno grupo de sobreviventes a se abrigar no edifício-central da Biblioteca Pública da cidade, na ilha de Manhattan. À época do lançamento, argumentou-se que o aquecimento global não provocaria alterações tão súbitas quanto a encenada por Emmerich, mas o que importa é notar como já havia, entre o grande público de cinema, a predisposição para encarar essa possibilidade de tragédia como algo bem mais concreto do que a representada por alienígenas malignos ou gorilas gigantescos.
A ciência que prolonga a vida e traz conforto para a parcela mais feliz da humanidade também é vilanizada, em filmes como “Extermínio” (2002), “Filhos da Esperança” (2006) e “Eu Sou a Lenda” (2007), como a responsável por uma sede de avanços mais comprometida com a busca de lucros corporativos para laboratórios do que com o bem-estar global. No primeiro, que o diretor inglês Danny Boyle (“Transpotting”) insere na tradição dos filmes de horror sobre zumbis, um vírus se espalha rapidamente pelo Reino Unido e, em quatro semanas, apenas uma pequena parcela da população continua saudável, obrigada a se esconder, em uma Londres fantasmagórica, dos mutantes letais.
Esse ponto de partida é semelhante ao de “Eu Sou a Lenda”, inspirado em romance do norte-americano Richard Matheson, com a transposição da história para Nova York e a condensação do drama em um único personagem, um médico-militar (Will Smith) que vaga com sua cadela por Manhattan em busca de material de pesquisa para a formulação de antídoto contra um vírus mortal criado a partir de intenção das mais nobres, a cura do câncer. O recado, nesses casos, é claro: quando o homem assume o papel de Deus, as conseqüências podem ser terríveis, sobretudo se a cobiça interferir.
Em “Filhos da Esperança”, que o mexicano Alfonso Cuarón (“E Sua Mãe Também”, “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”) dirigiu com base em romance da inglesa P. D. James, a deterioração ambiental leva à esterilização das mulheres de todo o planeta e a um quadro de caos sociopolítico que leva, nas metrópoles do Primeiro Mundo, à criação de guetos para pobres e imigrantes. O que viria em seguida, nessas leituras distópicas para o futuro do planeta? O cenário imaginado pelo documentário “Life After People” (A vida depois das pessoas), exibido em janeiro no History Channel dos EUA. Sua pauta, semelhante à do best-seller “The World Without Us” (O mundo sem nós), de Alan Weisman, é a de apresentar imagens de como ficaria o planeta em um futuro onde não houvesse mais ser humano sobre ele — incêndios incontroláveis, prédios históricos destruídos, ruínas por toda parte.
Nem tudo está perdido, a julgar pela boa recepção de público às caixas de DVDs com a série “Planet Earth” (2006), do Discovery Channel, expostas em áreas privilegiadas de magazines dos EUA como um dos principais lançamentos do final de ano. Seu apelo, ao exibir a diversidade da vida sobre a Terra, equivale a dizer “conheça antes que acabe” — ou conheça para evitar que um dia acabe, como até Hollywood vem alertando.
Sérgio Rizzo, 42 anos, é jornalista, mestre em Artes e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, crítico da “Folha de S. Paulo” e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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