Cinema Social – Liberdade, igualdade, fraternidade

Cinema Social – Liberdade, igualdade, fraternidade

Durante sete anos, François Bégaudeau trabalhou na rede pública francesa, como professor de língua no ensino fundamental. Sua experiência com adolescentes, impactada principalmente por classes multiétnicas em que a presença de filhos de imigrantes era significativa, deu origem ao romance “Entre les Murs” (Entre os muros), publicado em 2006, e que recebeu um dos mais importantes prêmios nacionais, o France Culture-Télérama.
O livro e o filme baseado nele chegam ao Brasil com um título que sugere uma redução do alcance da obra: “Entre os Muros da Escola”. De fato, toda a ação é ambientada dentro de uma escola — a maior parte do tempo em uma sala de aula, mas também na sala dos professores, na direção, nos corredores e no pátio. Acompanhamos, tanto no livro (Martins Fontes, 262 págs., R$ 29,90) quanto no filme (co-escrito e dirigido por Laurent Cantet, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2008), um pouco das relações cotidianas muito singulares que se estabelecem naquele espaço.
Ambas as obras não trazem o complemento “da escola” em seus títulos originais porque os muros a que se referem são simbólicos e se espalham por toda a sociedade, sobretudo nos países que integram a União Europeia, onde os fluxos de imigração geraram três categorias de cidadãos: os “locais” (que têm a nacionalidade do país onde vivem), os “comunitários” (cidadãos de outros países que têm o direito de morar e trabalhar em toda a UE) e os “extracomunitários” (de países que não integram a UE).
Cabe ao sistema educacional desses países lidar com o desafio de atender igualitariamente a essas clientelas, de acordo com os ideais republicanos que fundamentam a instituição. Assim, configura-se nas escolas públicas europeias um ambiente rico para identificar um dos principais dilemas contemporâneos (e talvez de todos os tempos), o da dificuldade (impossibilidade?) em promover plenamente a igualdade — inclusive porque, além das variantes já mencionadas, o sistema escolar se orienta por princípios hierárquicos (alguns mandam e avaliam, outros cumprem e são avaliados), normativos (com regras distintas que devem ser respeitadas por cada subgrupo desse ecossistema) e disciplinares (desvios são sujeitos a punição).
Entender o que se passa ali dentro contribui, portanto, para entender o que se passa em toda a sociedade. Enquanto se debruçam com o uso de lupa sobre o microcosmo educacional, o livro de Bégaudeau e o filme de Cantet fazem também uma espécie de radiografia da França hoje e, por tabela, da Europa. Não se restringem a essas coordenadas geográficas, no entanto, os caminhos de discussão apontados por “Entre os Muros da Escola”. A observação quase antropológica do funcionamento do sistema educacional e de suas contradições diante de uma realidade social que contraria seus princípios fundamentais pode perfeitamente ser transportada, por exemplo, para o Brasil, onde os muros simbólicos (e, muitas vezes, materializados em forma de grade, tijolo, concreto e blindagem) nos acompanham por toda parte.
Sérgio Rizzo, 43 anos, é jornalista, mestre em Artes e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, crítico da “Folha de S. Paulo” e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: [email protected]

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