Cinema Social – Até James Bond está de olho nos falsos ambientalistas

Cinema Social – Até James Bond está de olho nos falsos ambientalistas

Na linhagem oficial de James Bond no cinema, “007 Quantum of Solace” – lançado em todo o mundo com o título original em inglês, opção de superproduções recentes para fortalecimento da marca em mercado globalizado – é o 22º longa-metragem com o espião criado pelo escritor Ian Flemming e o segundo em que Daniel Craig, o sexto ator a trabalhar para a franquia, faz o papel.
A contratação de Craig, 40 anos, se integra à estratégia de rejuvenescimento da série mais bem-sucedida na história do cinema. De olho na manutenção de espaço no mercado, ela revê seu posicionamento diante de um concorrente que criou um novo paradigma para o universo de ação e espionagem, a trilogia com Jason Bourne (Matt Damon), o atormentado agente sem memória do escritor Robert Ludlum, formada por “A Identidade Bourne” (2002), “A Supremacia Bourne” (2004) e “O Ultimato Bourne” (2007).
Características estritamente cinematográficas à parte, o que chama a atenção em “Quantum of Solace” é um significativo ingrediente usado para atualizar a trama: o vilão de traços contemporâneos, o empresário Dominic Greene, interpretado pelo ótimo ator francês Mathieu Amalric (“O Escafandro e a Borboleta”, “A Questão Humana”). O que faz Greene no universo ficcional do filme? Preside uma empresa, a Quantum do título, com presença em diversos continentes.
Não fica muito claro o raio de atuação oficial da empresa, mas o que se percebe é que ela desenvolve projetos de sustentabilidade em parceria com governos nacionais. Na Bolívia, por exemplo, está prestes a assinar um contrato que possibilitará o melhor aproveitamento de água. Na cerimônia de lançamento do projeto, notamos que a Quantum se posiciona no mercado como empresa “verde”, de preocupações ambientalistas.
Se Greene (trocadilho infame com “green”, verde) é o vilão da história, algo de podre se esconde em seu reino. Como descobre o agente 007 a serviço de Sua Majestade britânica, depois de missões arriscadas na Europa e na América Latina (onde encontra “colegas” da CIA), a Quantum é apenas fachada para um plano ambicioso de controle dos recursos naturais em países de infra-estrutura fragilizada. A equação inclui o apoio a golpes de Estado, para a subida ao poder de governantes simpáticos aos seus negócios, e contratos de longuíssimo prazo que obrigam esses países a literalmente beber em suas mãos (a arapuca montada na Bolívia envolve, no fundo, o controle do abastecimento de água).
Recentemente, organizações que representam os direitos de cegos protestaram contra a adaptação de “Ensaio Sobre a Cegueira”, argumentando que o filme de Fernando Meirelles baseado no romance de José Saramago traça um retrato negativo de pessoas com deficiência visual, e sindicatos ligados a condutores de trens fizeram o mesmo com a comédia de humor negro “Trato é Trato”, em que um metroviário procura receber um bônus supostamente reservado à reparação psicológica de quem atropela três suicidas em menos de um mês.
É improvável que empresas “verdes” se organizem para fazer piquetes contra o novo 007, e não apenas porque sabem que essa atitude funciona com propaganda eficaz do filme que se pretende combater. James Bond pertence ao mundo da fantasia e carrega tanta verdade quanto uma nota de 15 reais. Mas, assim como os primeiros filmes da série (aqueles com Sean Connery) incorporavam os valores da “guerra fria” criando vilões ligados ao extinto bloco soviético, há algo no ar sugerindo a produtores e roteiristas que a fachada ambientalista esconde predadores do planeta e que o público pode comprar a idéia por considerá-la muito atual.
Sérgio Rizzo, 43 anos, é jornalista, mestre em Artes e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, crítico da “Folha de S. Paulo” e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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