Artigos – Responsabilidade social em tempos de crise: a reação do consumidor

Artigos – Responsabilidade social em tempos de crise: a reação do consumidor

Toda crise representa uma oportunidade, mas também a hora da verdade para certas apostas institucionais. O velho adágio dos negócios aplica-se com força inusitada no campo da cidadania corporativa e do compromisso com a sustentabilidade por parte das empresas em momentos de contração econômica. Afinal, poucas situações representam um teste de validade e credibilidade tão claro para as promessas de responsabilidade social e ambiental das grandes empresas quanto as de crise econômica e aperto financeiro.
São ocasiões como a atual que ajudam a distinguir entre as empresas que abraçam a responsabilidade social apenas de modo tático e marketeiro  e aquelas organizações engajadas de modo estratégico e institucional em um modelo de sustentabilidade. Assim, para o universo corporativo emergem algumas questões inevitáveis: a necessidade de reequilibrio econômico condena o engajamento com a sustentabilidade ao desterro ou ambos podem conviver juntos e fazer parte da estratégia bem-sucedida da empresa? Os investimentos sociais privados devem fazer parte dos custos a serem cortados ou –pelo contrário- mais do que nunca se tornam vitais para a definição da posição competitiva da companhia? Se esses pontos mal encontram uma resposta consensual entre executivos e homens de negócio, o que esperar do consumidor típico?
A pesquisa anual Monitor de Responsabilidade Social Corporativa 2009 lança uma luz sobre essas questões na perspectiva da sociedade. Perguntados se “é aceitável que uma empresa reduza o apoio que presta à caridade e às comunidades quando está passando por crises financeiras?”, os consumidores encontram-se divididos. Seis em cada dez consumidores (60,7%) se inclinaram por concordar com essa ideia; mas somente dois em cada dez (21,7%) o fizeram de maneira intensa (concordando totalmente com a afirmação). Na outra ponta, em desacordo com a intenção de sacrificar o investimento social, ou sem saber como se posicionar a respeito, estão quatro em cada dez consumidores (39,3%).
“É aceitável que uma empresa reduza o apoio que presta a caridade e às comunidades quando está passando por crises financeiras” (em %)

Concordo totalmente 21,7
Concordo em parte 39,0
Não concorda nem discorda/Não sabe 4,9
Discordo em parte 21,2
Discordo totalmente 13,2
Total 100,0

A mensagem que emerge para os presidentes prestes a cortar investimentos sociais corporativos como uma opção para equilibrar as contas é clara: só há legitimidade para o “ajuste fino” dos empreendimentos socioambientais, não sua extinção. Afinal, como apenas uma minoria dos consumidores endossa esse raciocínio em toda sua extensão, a empresa corre o risco de alienar a imagem corporativa e as conquistas obtidas no passado se decidir pela anulação da suas políticas e gastos socioambientais. Do mesmo modo, a legitimidade vale apenas em momentos de crise e sob ameaça de falência, não como instrumento diante de qualquer dificuldade financeira ou desempenho corporativo aquém das expectativas.
O grupo mais numeroso de consumidores adota uma postura de tolerância parcial e condicionada frente ao atual cenário de crise: 39% dizem aceitar em parte a ideia da diminuição das ações cidadãs. Concordar em parte significa aderir à essa postura, mas sob certas condições, nunca dar um cheque em branco. No atual contexto significa -principalmente- legitimar uma acomodação financeira das ações de cidadania corporativa em caráter de medida emergencial, e de impacto relativo (fala-se em “redução do apoio”, não em cancelamento do engajamento socioambiental).  O que o público brasileiro manifesta é abertura para uma moratória parcial em termos da intensidade das ações até 2008, e de caráter temporário, na expectativa de que a crise também se reverta no curto prazo.
Semelhante conclusão surge a partir do cruzamento da medida de aceitação de uma moratória com a percepção do “timing” da recuperação econômica. Quem acredita em uma saída no curto prazo (nos próximos 6 meses) tem 35% mais chances de avalizar tal moratória do que quem imagina que as coisas voltarão ao normal somente no longo prazo, em 2 ou 3 anos.

Aceitabilidade da redução do apoio em responsabilidade socioambiental num momento de crise econômica Expectativas de recuperação da economia
próximos 6 meses 1 ano 2-3 anos
Concordo totalmente 22 21 25
Concordo em parte 47 36 26
Não concorda nem discorda/Não sabe 1 5 7
Discordo em parte 20 21 30
Discordo totalmente 10 17 13
Total 100 100 101*

*Soma totaliza pouco mais de 100% por efeito de arredondamento dos percentuais das categorias anteriores
O público consumidor parece fazer ecoar, assim, a retórica a favor de uma tolerância pelo adiamento ou diminuição do ajuste sustentável pelo mundo corporativo no curtíssimo prazo, proposta pelos governos, principalmente nos países centrais, mas fortemente reproduzida pelo Planalto e pelas lideranças empresariais locais. Essa retórica, que começou no 14º encontro da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudança Climática, na Polônia, em dezembro passado, tem se acelerado na medida em que os efeitos da crise financeira espalham-se pelo mundo. As consequências têm sido não apenas frear os avanços na luta contra as mudanças climáticas, em benefício do reaquecimento das economias e da priorização da saúde financeira empresarial desatrelada do investimento social, mas também desconstruir uma parte da agenda das sociedades e consumidores centrada na intensificação das políticas de cidadania corporativa.
Diante de tais resultados pode-se afirmar que é legitimo cancelar os programas de sustentabilidade e esquecer que as eco-vantagens de hoje representam a competitividade de amanhã? Não. A moratória parcial e temporária tolerada pelos consumidores abrange um número substancial de cidadãos, mas está longe de se apresentar como opinião uniforme e monolítica. Mais do que rejeição ela representa antes o apelo por um “ajuste fino” nas atuais políticas de sustentabilidade. Nesse sentido, o seu consentimento indica admitir a suspensão de iniciativas isoladas, tais como doações ou atividades visando públicos externos, sempre e quando se continuem observando certos parâmetros de gestão do risco socioambiental e de ética e governança corporativa. De fato, ao comparar a média de atividades sustentáveis que deveriam fazer parte das responsabilidades das empresas, não existem diferenças estatisticamente significativas entre aqueles consumidores partidários da moratória parcial e temporária e aqueles que se recusam a sacrificar ações de cidadania. Tanto uns quanto os outros continuam atribuindo às grandes corporações um papel ativo em áreas que vão da filantropia ao cuidado ambiental, do bom tratamento aos funcionários à construção de uma cadeia produtiva sustentável.
 
Apoio a uma moratória pela sustentabilidade e atribuições de responsabilidades corporativas cidadãs

Aceitabilidade da redução do apoio em responsabilidade socioambiental num momento de crise econômica Média de ações de RSE*
Concordo totalmente 7,5
Concordo em parte 7,2
Não concorda nem discorda; não sabe 7,1
Discordo em parte 6,8
Discordo totalmente 7,9
Média geral de ações RSE atribuídas às grandes empresas 7,3

* Sobre um total de 12 ações vistas como que “deveriam ser total responsabilidade”                             das grandes empresas
Então as empresas podem se dar o luxo de pisar no freio dos seus compromissos com a sustentabilidade, mesmo que por pouco tempo? Só se quiserem perder a adesão do consumidor ético, além de caírem no risco de –mais à frente- perderem qualquer vantagem competitiva por sua posição socioambiental ou serem tachadas de oportunistas.
O exame de como reage a minoria de consumidores que premiou empresas responsáveis comprando seus produtos e serviços e puniu aquelas percebidas como irresponsáveis evidencia a fragilidade -no médio e longo prazo- de uma escolha feita visando a racionalização financeira dos investimentos sociais no curto prazo. Assim, 33,9% dos que não adotaram um comportamento ético nas suas compras discordam do argumento de tolerar uma moratória temporária do compromisso sustentável. Mas esse percentual dispara para 42,6% daqueles que já premiaram e puniram empresas usando como critério seu desempenho em responsabilidade social.
***
O consumidor brasileiro emerge como um dos mais tolerantes ao discurso da ordem econômica como eixo organizador das decisões coletivas. Momentaneamente, ele parece aceitar a possibilidade de atrasos nos novos investimentos sociais em troca da estabilidade econômica. Ao mesmo tempo, ele demonstra estar atento ao sucesso das empresas e em como elas vão atingir as metas propostas para um novo equilíbrio econômico que permita a retomada de programas de cidadania corporativa melhor desenhados.
 
Fabián Echegaray é cientista político e diretor da Market Analysis.
Para saber mais sobre o Monitor de Responsabilidade Social acesse www.marketanalysis.com.br

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