Artigos – Grifes e incompreensões

20 de junho de 2005

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O Terceiro Setor tem uma importância estratégica cada vez maior na sociedade, principalmente em razão da diminuição do papel do Estado. Ele não deve nem pode se sobrepor à ação dos governos. Mas sua ação, hoje, é vital para o desenvolvimento harmônico da sociedade moderna, como observa o professor Luiz Carlos Merege, da Fundação Getúlio Vargas. O segmento teve seu espaço na mídia progressivamente ampliado nos últimos 15 anos. Nenhum outro setor da economia conseguiu crescimento semelhante. Novos desafios também se impuseram, especialmente em relação à capacidade de organização, à legitimidade e qualidade do trabalho das organizações sociais.
Depois do boom, no entanto – saudado positivamente pela mídia e pela sociedade em geral -, há a necessidade de ajustes. O Terceiro Setor tem de reavaliar a sua forma de atuação. Precisa pensar em meios mais eficazes para propagar suas propostas. Há incompreensões, distorções. O Terceiro Setor é uma realidade, mas corre o risco de ser visto como um modismo que passa rapidamente. Afinal, deixou de ser novidade e os meios de comunicação, por exemplo, já têm a sensação de ver sempre o mesmo filme na tela. O que se ouve em redações é que ninguém agüenta mais ler ou cobrir projetos de inclusão digital, por exemplo, pois a notícia é sempre igual.
Quem milita na área e estuda o tema com afinco sabe que o Terceiro Setor é muito mais do que isso, claro. Sabe dos avanços e conquistas, do grau de profissionalismo exigido, da obrigatoriedade de resultados, dos indicadores e das políticas públicas que surgem de ações que deram certo. Porém, práticas questionáveis de uns e outros podem comprometer a imagem de muitos. As desconfianças e as dúvidas existem. Por isso, torna-se necessário separar o joio do trigo. Essa missão pode caber à mídia, por exemplo. Como em qualquer outra área, existem profissionais e /ou organizações bons, ruins e mais ou menos. Mas não é porque temos escolas péssimas que vamos acabar com a educação. Ou fechar os hospitais porque temos problemas na saúde.
Principalmente junto à mídia, é interessante um reposicionamento no discurso. Profissionais de comunicação de várias áreas se tornaram críticos ferrenhos do marketing social. Eles vêm positivamente o conceito de responsabilidade social empresarial, mas avaliam que grandes grupos econômicos estariam atrás de prestígio e da melhoria de sua imagem.
A incredulidade permeia também os movimentos sociais. São muitas as críticas aos privilégios que seriam dados às entidades já bem estruturadas e aparelhadas – consideradas ricas -, que, por razões óbvias, assimilaram eficientemente os conceitos de gestão empresarial. Essas teriam mais acesso e facilidades para a obtenção de financiamentos, enquanto a maioria das chamadas organizações populares fica relegada a um segundo plano. Essas rejeitam, inclusive, o termo terceiro setor, dentro do qual fazem questão de dizer que não se enquadram.
Em alguns casos, é verdade, o trabalho social precisa virar marca para ter verba e patrocínio. É obrigado a se transformar numa grife da pobreza. Locais onde ocorreram chacinas ou que freqüentaram as listas dos mais violentos do mundo têm, inevitavelmente, maior exposição na mídia. E são mais atraentes a patrocinadores. As críticas ao terceiro setor são muito comuns em bairros pobres da periferia de São Paulo por esse motivo, entre outros.
Também, entre os ditos setores democráticos, a derrocada do socialismo e o desencanto com a chegada da esquerda ao poder fortalecem uma onda atual de ceticismo e individualismo. Ajudam também discursos como o do cineasta Sérgio Bianchi, que esculhamba indiscriminadamente as organizações não-governamentais em seu último filme, Quanto vale ou é por quilo?, sem distinguir os meros assistencialistas distribuidores de sopas daqueles que podem criar políticas públicas e apresentar experiências positivas concretas. Caricaturas como a do filme, que ridiculariza madames e empresários que querem ajudar os pobres, corroboram uma imagem irreal e distorcida do papel do terceiro setor. E é preciso cuidado para que ela não se sobreponha à realidade.
*Gilberto Nascimento, jornalista com especialização em Direitos Humanos na Universidade Columbia (Nova York), é éditor especial da revista Isto É

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