Artigos – Brasil precisa de mais marketing social

Artigos – Brasil precisa de mais marketing social

Há trinta anos, empresas, governos e sociedades locais podiam se dar ao luxo de fazer novos empreendimentos sem pensar nas conseqüências para o meio-ambiente, mão-de-obra ou os custos da saúde pública. Durante essa época, o marketing comercial mostrava toda a sua força, fazendo com que os habitantes de diversos países do mundo modificassem seus comportamentos sociais, aumentando o número de fumantes, consumo de álcool, direção agressiva, alimentação de alto valor calórico etc. Nada era mais importante do que o acesso ao consumo tão vangloriado por Hollywood e seus artistas famosos.
No entanto, este estilo de vida trouxe enormes custos para a sociedade: o aquecimento global e o aumento significativo da incidência de doenças crônicas, de tratamento muito mais longo e caro do que as doenças infecciosas. No Brasil, as doenças crônicas como neoplasia e infartos já ultrapassaram significativamente as doenças infecto-parasitárias, por exemplo, malária e dengue, como principais causas de morte e mortalidade de nossa população.
Curiosamente, assim como no caso de vacinas em que o vírus causador da doença é usado para sua cura, um dos principais causadores do consumo desenfreado, o marketing, pode ser usado como ferramenta de gestão estratégica para a transformação social e reversão destes problemas. Quando o conceito de marketing social foi criado, seu principal objetivo era contribuir para a mudança de comportamentos sócio-ambientais para a melhoria de qualidade de vida da população.
As ferramentas de marketing social, fundamentadas no claro entendimento dessas transições sócio-econômicas, reinterpreta os conceitos clássicos de marketing para que sejam aplicados na área social. Por exemplo, no caso do famoso marketing mix (produto, preço, praça e promoção), para o marketing social o produto é fundamentalmente o conhecimento, atitude e/ou prática que se quer promover junto à população. Como, por exemplo, o uso do preservativo ou direção defensiva no trânsito.
Já no caso do preço, há a necessidade de um entendimento amplo das principais barreiras financeiras, psicológicas, culturais, políticas e ambientais para que esse comportamento seja adotado. Por exemplo, muitos fumantes sabem as conseqüências avassaladoras desse hábito para sua saúde, mas consideram que o preço de renúncia ao prazer proporcionado pelo fumo é alto demais para mudanças de comportamento. Isso também acontece no caso da alimentação, dos exercícios físicos, do trânsito, etc.
A praça é estabelecida como a estratégia de aproximação desses produtos sociais aos públicos adotantes. Não adianta nada falar sobre o uso do preservativo se eles não estiverem presentes não só nas farmácias e supermercados mas também em escolas, postos de saúde. Aliás, o Ministério da Saúde do Brasil deve ser parabenizado pela iniciativa de trazer o debate sobre o uso do preservativo para as escolas secundárias.
Finalmente, a promoção é toda a estratégia de aproximação dos públicos adotantes ao produto social. Fazer com que comportamentos saudáveis se tornem algo prazeroso e de “status” são algumas abordagens de comunicação fundamentais para a correta promoção do produto social. Ou seja, apenas a promoção dos males causados pelos comportamentos anti-sociais e ambientais é uma estratégia bastante restrita e com pouco impacto para o público-adotante em potencial.
O Brasil é conhecido mundialmente por suas estratégias de marketing comercial e promoção de produtos. Agências com profissionais altamente criativos e dedicados conseguem fazer com que diversos públicos se interessem por qualquer tipo de produto. No entanto, deixamos para os burocratas de plantão a tarefa de tornar comportamentos sociais interessantes e objetos de desejo. Logicamente, a conseqüência é que esses comportamentos não são adotados a não ser nos casos de penalidades específicas, como as multas. Precisamos de profissionais de marketing social que tragam para esse mercado seus talentos e sua energia para que o país se prepare para as grandes transformações sócio-ambientais desse início do século.
Miguel Fontes é doutorando em saúde pública internacional pela Bloomberg School of Public Health da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos. Recebeu o título de mestre em desenvolvimento social, político e econômico da América Latina e Caribe pela Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos. Atualmente, é o diretor da John Snow Brasil Consultoria. Trabalhou como consultor em projetos de desenvolvimento social financiados por diversos organismos internacionais (USAID, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outros) e é autor de diversas publicações de marketing social e artigos científicos sobre comportamento humano, entre elas o livro Marketing Social – Novos Paradigmas, da editora Campus/Elsevier.

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