Artigos – A dimensão educativa do voluntariado: pedagogia para um País mais solidário

Artigos – A dimensão educativa do voluntariado: pedagogia para um País mais solidário

O voluntariado educativo é uma atividade que têm o poder de ao mesmo tempo incrementar a qualidade da educação, transformar a escola em um ambiente de convívio solidário e preparar o estudante para uma participação cidadã. Implantar a sua cultura no Brasil, estimulando a sua prática frequente entre os jovens como instrumento para a construção de um país menos desigual, tem sido o papel do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário desde que foi criado, em 2001, no Ano Internacional do Voluntário.
Para ser educativo, o voluntariado precisa combinar necessariamente formação escolar com responsabilidade e compromisso sociais. A intencionalidade pedagógica o define conceitualmente. Segundo esta idéia, muito disseminada nos EUA, mais importante do que o desempenho da ação voluntária ou os seus resultados imediatos, é a sua potencial articulação com os saberes escolares. Na opinião de especialistas no tema, o voluntariado educativo gera seis tipos de benefícios a quem os pratica.
O primeiro inclui-se numa dimensão cognitiva. No exercício do trabalho voluntário, sabe-se que um jovem aprende mais e melhor. Do ponto de vista pedagógico, o voluntariado enriquece o ensino dos temas transversais propostos pela LDB-Lei de Diretrizes e Bases, contribuindo, deste modo, para a apreensão dos conteúdos de diversas disciplinas. Assim ocorre, porque ele permite conjugar teoria com uma prática relevante, humanista e transformadora. Ao colocar o jovem, por exemplo, na tarefa de fazer a contabilidade de um asilo, redigir cartas para operários analfabetos, desenvolver uma campanha para uso sustentável de água ou mesmo propor soluções para o problema dos sem-teto, a prática do voluntariado acaba por fixar melhor conhecimentos de Matemática, Português, Ciências, Historia e Geografia.
Segundo estudo do National Training Lab, Bethel, Maine, ensinar outras pessoas, fazer na prática e discutir em grupo, atividades próprias do trabalho voluntário, ampliam a compreensão de conceitos. E, por este motivo, mostram-se pedagogicamente mais eficazes do que as convencionais aulas expositivas, a leitura, os recursos audiovisuais e as demonstrações. Nesse sentido, pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que o voluntariado educativo renova a escola, fortalecendo o seu papel como um espaço de cidadania, cultura e convivência democrática e incorporando algumas de suas premissas, como a de orientar para uma aprendizagem conectada à vida real, e formar espíritos críticos, autônomos e criativos.
O segundo benefício manifesta-se no campo cívico. O trabalho voluntário, graças à sua natureza altruísta, incentiva a participação comunitária. Desperta, portanto, uma consciência de deveres e o senso de pertencimento a uma coletividade. Ao tomar contato com os problemas sociais de seu bairro, o jovem exercita a reflexão, a análise e a capacidade de solução. E assim, tende a se tornar um cidadão mais consciente de suas responsabilidades e mais disposto a mudar, com a sua ação, tudo o que está a volta, começando pela escola e a comunidade. O voluntariado constrói no jovem o sentimento de que o que é público é de todos, e não de ninguém.
O terceiro benefício diz respeito ao referencial ético. O voluntariado representa terreno fértil para a semeadura de valores nobres, como a solidariedade. O sentimento de interdependência, o compromisso de reciprocidade pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras, não germinam no plano cognitivo. Constituem valores concernentes ao espírito humano que só podem ser moldados com base em práticas e vivências. Uma das características mais interessantes do trabalho voluntário é que ele transforma tanto quem recebe quanto quem doa. Na contramão da lógica egoísta, ensina a valorizar o outro e reconhecer-se nele, a lidar com as diferenças, e a estabelecer relacionamentos mais saudáveis.
O quarto e quinto benefícios relacionam-se às esferas vocacional-profissional e pessoal. Sob o ponto de vista emocional, o trabalho voluntário fortalece o indivíduo na medida em que lhe propicia trabalhar em equipe, enfrentar adversidades, relacionar-se melhor consigo mesmo e com os outros. Sob a ótica da formação cidadã, oportuniza participar da vida de uma comunidade, colocando em ação valores de responsabilidade social cada vez mais cultuados nas empresas. São muitas as evidências de que o trabalho voluntário começa a representar vantagem comparativa na hora de disputar um estágio ou uma posição de trainee.
Cada vez mais corporações o adotam como critério de desempate em processos de recrutamento e seleção. Para elas, alguém disposto a doar tempo e conhecimento para uma organização social, aprende desde cedo a servir, e a colocar-se no lugar do outro, identificando suas necessidades e expectativas. E gostar de servir representa, por princípio, uma atitude diferencial para quem procura emprego no mercado de serviços. Voluntários são, por natureza, pessoas especiais que trabalham para causas, colocam paixão nas atividades que exercem e, por este motivo, demonstram maior “espírito de militância” quando enxergam na empresa um propósito mais elevado. Acostumados com a escassez de recursos, aprendem a fazer mais com menos, a transformar idéias em ação e a construir pontes em vez de reclamar dos abismos.
O sexto ganho insere-se na dimensão social. Uma boa experiência de voluntariado educativo ultrapassa os muros da escola e abre as suas portas para as pessoas e organizações da comunidade. A cultura de solidariedade por ela disseminada, o respeito que evoca e, sobretudo, o espírito associativo que promove estimulam um clima de maior confiança, produzindo relações melhores, mais próximas e, portanto, maior capital social.
Pelo conjunto de benefícios que proporciona aos jovens, aos educadores e às comunidades, o voluntariado educativo não é apenas um instrumento a serviço da qualidade que perseguimos para a escola brasileira. É, sim, uma ferramenta pedagógica poderosa para construir um país solidário e socialmente mais justo.
*Milú Villela é embaixadora da Boa Vontade da Unesco, presidente do Faça parte –Instituto Brasil Voluntário, do Museu de Arte Moderna e do Instituto Itaú Cultural.
 

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