Artigos – A crise atual deu fôlego para o planeta?

Artigos – A crise atual deu fôlego para o planeta?

Alguns economistas se perguntaram se a recessão poderia amenizar o impacto do sistema econômico sobre o meio ambiente. Isso já é um grande passo, pois os economistas pregam que a economia pode ser maior que o planeta e que não há problema algum em mantê-la em crescimento eterno dentro de um sistema planetário não crescente, do qual depende. Essas críticas têm mais de 50 anos, nas mãos dos mais renomados autores: Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Daly, Manfred A.Max Neef, Kenneth Boulding, David Korten, Bastian Reydon, Clóvis Cavalcanti, Rachel Negrão e Paulo Roberto da Silva, entre outros.
Salvar o meio ambiente às custas de um enorme desemprego seria pouco salutar. Nem vamos entrar no mérito do quanto, apesar de um enorme crescimento, os empregos vêm se tornando escassos e incapazes de gerar bem-estar e liberdade às pessoas. Vamos deixar de lado que a geração dos empregos é apenas um resultado tautológico do crescimento, que se tornou um fim em si mesmo. Sim, não faz sentido salvar o meio ambiente com um enorme desemprego. Mas será verdade que uma recessão global esperada de 0,5% vai ajudar o meio ambiente?
A recessão se mede pelo PIB que é um fluxo. Muitos devem estar se perguntando porque os economistas trabalham só com fluxos sem perceberem que estamos nos soterrando vivos com esse processo de produção e consumo. É simples: a economia mantém princípios de conservação ligados à mecânica clássica, sua irmã siamesa.  Com isso, as teorias econômicas assumem a inesgotabilidade planetária, a total reversibilidade,  a neutralidade e  a previsibilidade dos processos físico-econômicos e não se adaptaram aos avanços da física.
Vamos fazer de conta – para ilustrar – que o PIB seja feito apenas de petróleo.  Em 2008, consumimos 32,4 bilhões de barris de petróleo. No ano de recessão, consumiremos 32,2 bihões de barris de petróleo.  O meio ambiente será “aliviado” em apenas 0,2 bilhão! PIB é um fluxo, não um estoque. A recessão ou estagnação aumentam o impacto ambiental com mais demandas por recursos planetários.  Façamos  a mesma analogia para automóveis. Em 2008, foram produzidos 75.000.000 de automóveis. E, em 2009, com a recessão de 5%, serão produzidos 71.250.000 automóveis.  A emissão de gases do efeito estufa e a quantidade de terra asfaltada necessária para atender a esses novos fluxos deverá aumentar sobre um estoque territorial finito.  O mesmo pode ser dito para casas ou construções que não param de subir no nosso planeta finito.
A recessão, enfim, não é benéfica para o meio ambiente se compreendemos o significado do PIB, do conflito existente entre o ciclo econômico e o natural. Essa métrica cria vários percalços: 1) quanto mais economicamente viável uma atividade se torna, mais ambientalmente inviável ela é; 2) as soluções de problemas que antes deveriam ser evitados aumenta o PIB; e 3) o custo econômico de destruir o planeta inteiro é zero.  Se os Estados Unidos estivessem sozinhos na Terra, já teriam entrado em colapso ambiental faz tempo. Isso não aconteceu graças à exploração dos recursos ecológicos do resto do mundo a custo zero no comércio global.
Não é o efeito do crescimento que mais chama atenção, mas a forma conflituosa no qual ele se dá. Um sistema sem crescimento, por sua vez, não significa necessariamente sustentabilidade, porque daí depende se remove ou não o conflito entre economia e planeta, de forma que nada nem ninguém possa deixar de ser como a natureza é: cíclica, finita e regenerativa. Como hoje tudo é linear, infinito e degenerativo, será uma mudança e tanto.
O crescimento pode até surgir ou ser mantido em um sistema econômico que respeita a finitude, por variáveis qualitativas acima das quantitativas e por alguma razão outra que não seja o aumento dessa pressão e desse desequilíbrio planetários.  Sem a ajuda das demais ciências que mensuram os atrasos ecológicos (um deles, o aquecimento global) não saberemos o quanto teremos que retroceder para evitar ultrapassar o limite imposto pela resiliência da natureza, do qual poucos de nós sairão vivos. A tecnologia também deve mudar de enfoque: evitar problemas ao invés de tentar solucioná-los.
Sem mudança de paradigma com abandono do anterior não só não deixaremos de ser insustentáveis.  A crise econômica atual, que não será a última, não é do tipo de gerar a mudança de paradigma necessária, simplesmente porque não foi causada por um desastre ambiental de grandes proporções. Somente quando isso acontecer iremos realmente mudar.
Hugo Penteado é economista-chefe do Santander Asset Management

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