Anita Roddick, uma líder com causas

Anita Roddick, uma líder com causas

Pioneiro é, segundo o Aurélio, aquele que se antecipa e abre caminhos. No mundo empresarial, os que se dedicam à tarefa de pensar à frente do seu tempo enfrentam a desconfiança de alguns e a incompreensão de muitos, especialmente se suas idéias contestam a ordem vigente e desafiam o lugar comum.
Anita Roddick viveu essa experiência na pele. Quando criou, em 1976, a The Body Shop,  sua visão peculiar de fazer negócios, á época nada ortodoxa, provocou um misto de zombaria e descrédito na Inglaterra. Mulher e militante de causas sociais e ambientais, atuando em um  mundo dominado pelo machismo no qual gente interessada em meio ambiente era vista como  inimiga do progresso econômico, Anita foi logo tratada como figura exótica  e a sua empresa, um experimento radical de ativismo político, não um negócio para ser levado a sério.
Seu discurso de lucro ético –hoje francamente bem aceito — soava bastante utópico para os padrões de 30 anos atrás. Ingênuas também pareciam idéias como a de que uma empresa deve contribuir para a “formação do espírito humano”, deixando-se guiar por um propósito maior do que o resultado financeiro do trimestre. Ou que o senso de comunidade é elemento vital para o êxito de uma corporação. Anita nunca recuou diante das resistências.  Sabia que defender idéias inovadoras tinha um preço. “Qualquer empresa orientada por princípios pode esperar reações extremas, ser elevada acima dos anjos ou rebaixada com os demônios. Isso é um fato da vida para qualquer um que luta por aquilo em que acredita”, confessou um dia.
Em vez de moldar valores pessoais ao negócio, como mandava a regra dos que têm juízo, Anita subverteu a ordem e encaixou o seu negócio em um conjunto de princípios dos quais nunca abriu mão. Foi sempre contra a utilização de produtos testados em animais, devastadores de florestas, gerados a partir de trabalho infantil, agressivos aos trabalhadores, não biodegradáveis e não recicláveis — mesmo quando isso não figurava no manual de bons modos das corporações. Foi sempre a favor de que, mais do que bens e serviços, uma empresa deve produzir idéias para a construção de um novo mundo, transformar-se em agente solidário de mudanças e conectar indivíduos em torno de causas humanitárias.
Coerente como deve ser um bom líder, adotou a mesma ética para a vida e para os negócios, fazendo da The Body Shop um veículo de suas mais profundas crenças e convicções. Houve um tempo, por exemplo, que, em vez de utilizar os caminhões de transporte para fazer propaganda de produtos, a empresa divulgava neles mensagens convidando as pessoas a acreditarem no seu poder de mudar o mundo.   Ainda hoje quem entra em uma das 2 mil lojas da rede, espalhadas em 50 países,  toma logo contato com um elenco de causas que a organização escolheu apoiar, como a do comércio solidário em países africanos e a da erradicação da violência doméstica. Consciente de que não vendia produtos de primeira necessidade, admitiu, certa vez, que usar as lojas para sensibilizar consumidores, foi o “método”  que encontrou  de “introduzir valores numa indústria sem valores.”
Ainda no campo do advocacy, Anita defendeu apaixonadamente o empreendedorismo, o investimento social privado, as culturas locais e o consumo consciente. Uma de suas mais importantes contribuições foi, no entanto, para a causa da beleza feminina. Deve-se a ela a abertura de uma uma trilha em mato denso pela qual, alguns anos mais tarde, Natura e Dove circulariam à vontade. Em 1995, um estudo detectou que sete em cada dez mulheres sentiam-se mal quando olhavam a fotografia de modelos magérrimas em comerciais de TV. Com base nesse dado, indignou-se com a elegia a um padrão de perfeição inalcançável. E decidiu que sua empresa remaria contra a maré. Assim, criou uma campanha que, no lugar de afrodites, associava a beleza ao caráter, á imaginação e ao humor presentes no cotidiano do universo feminino, valorizando-os como expressão maior do que as mulheres gostam nelas próprias. “Há três bilhões de mulheres que não se parecem como super modelos e apenas oito que se parecem. Conheça sua mente, ame o seu corpo”, berrava o slogan criado para a campanha. Conceito simples hoje, uma revolução para a época.
Anita Roddick morreu aos 64 anos, no último dia 10 de setembro, de hemorragia cerebral. Deixou um livro autobiográfico (“Meu jeito de Fazer Negócios”), duas filhas, algumas árvores plantadas, uma empresa legitimamente verde, com mais 80 milhões de clientes, que mesmo com a venda para a L´Oreal, em 2006, manteve-se fiel aos seus princípios; e um legado de idéias corajosas que hoje podem ser apresentadas, sem susto, por qualquer estagiário em entrevista de seleção.

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