Agricultura de baixo carbono

Agricultura de baixo carbono

Revista Ideia Socioambiental – São Paulo
 
Poucos setores estão tão expostos às condições climáticas quanto a agricultura. Naturalmente, esse também é um dos segmentos que mais sofrerá com os impactos do aquecimento global. A revisão de práticas, a busca de tecnologias que proporcionem maior produtividade e desenvolvimento de espécies adaptadas a condições climáticas extremas são algumas medidas que vêm sendo tomadas pelo setor em resposta a esse desafio.
Segundo o estudo Caminhos para uma economia de baixa emissão de carbono no Brasil, da McKinsey & Company, a agricultura é o segundo emissor de gases de efeito estufa no Brasil atrás somente do setor florestal. Os gases geralmente emitidos são o óxido nitroso (46%) e metano (54%), ao invés do carbono, emissão comum em outras áreas.
De acordo com Carlos Clemente Cerri, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP)é necessário que o Brasil invista na produção agrícola mais sustentável para evitar consequências econômicas sérias no futuro. “A agricultura é responsável por 25% do PIB e com as mudanças climáticas podemos ter um impacto direto em toda a produção agrícola. Isso pode trazer prejuízos para o Brasil devido ao fato de o país exportar muitos produtos alimentícios”, constata.
Em todo o planeta, o aquecimento global trará vantagem apenas para regiões de alta latitude no que diz respeito à agricultura. Em outras áreas, as mudanças climáticas podem causar redução de chuvas nos trópicos e a redução das terras agriculturáveis.
“Há alguns biomas em que as mudanças serão mais radicais e algumas formas de agricultura terão que mudar drasticamente, principalmente no que diz respeito ao uso mais qualificado dos recursos naturais. Precisamos mudar certos padrões de produção se quisermos continuar abastecendo populações nos próximos séculos”, avalia José Geraldo Eugênio de França, diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O desafio da adaptação
No Brasil, as principais medidas de mitigação na agricultura estão relacionadas à adoção de práticas que impeçam o avanço do desmatamento na busca por novas áreas de plantio.
Para França, o setor deve investir em um item crucial para trabalhar a redução de emissões de CO2 nesse ponto específico: a produtividade. “É necessário investir em mecanismos mais eficientes para uma agricultura sustentável, com plantas mais adaptadas, consumo eficiente de água e liberação de nutrientes. Isso vai fazer com que possamos elevar a produção sem danificar o ambiente”, avalia.
Parcela significativa das emissões também poderiam ser evitadas a partir da recuperação de áreas utilizadas pela pecuária. De acordo com o estudo Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil, da Embrapa, cerca de 100 milhões de hectares de pastos degradados no país podem abrigar a expansão agrícola sem que seja preciso derrubar mais árvores – contanto que sejam manejados de forma correta.
Segundo Cerri, desconsiderando o desmatamento, o Brasil não é um grande emissor de CO2. Por isso o País deve criar medidas para evitá-lo, além de reformular o manejo do gado, que representa a segunda maior fonte de emissões. “Temos que procurar uma forma diferente de produzir carne bovina. O modo extensivo atual não é um bom modelo para o Brasil porque sempre existirá a necessidade de mais área para o gado – e isso significa desmatar. Hoje a lotação é muito baixa, cerca de 0,9 cabeças por metro quadrado, menos de um animal”, destaca.
O estudo da McKinsey & Company confirma essa projeção. Devido as emissões de metano, resultado da fermentação entérica, 60% da redução potencial na área está relacionado à atividade pecuária e pode ser solucionado por meio de duas iniciativas principais. A primeira diz respeito à melhoria na gestão dos pastos, possibilitando aumento da criação bovina, e a segunda iniciativa refere-se à gestão da eficiência da fermentação ruminal, com medicamentos que selecionam as bactérias desejáveis e controlam as indesejáveis.
De acordo com o estudo, outros 26% do potencial abatimento estão relacionados a iniciativas de restauração de solos agrícolas, que podem ter sua fertilidade recuperada pela correção dos nutrientes, aplicação de substratos orgânicos, redução de aragem – por meio do plantio direto – retenção de resíduos agrícolas e pela conservação da água.
O custo médio das iniciativas no setor é consideravelmente baixo, o que exige poucos investimentos e pequenas adaptações nas práticas atuais dos produtores, relata o estudo. Para Cerri, da USP, caso ações como essas não sejam realizadas a tempo ou as mudanças climáticas se tornem muito bruscas, haverá a necessidade de encontrar meios para a adaptação a um novo clima. “Teremos que encontrar variedades de plantas que se ajustem a essa nova situação, como espécies de raízes profundas, para que tenham capacidade de sobreviver a reações adversas”, constata.
Consciência sustentável
De acordo com o estudo da Embrapa, é possível mitigar até seis bilhões de toneladas de gás carbônico a partir do uso mais consciente do solo. Entre as alternativas que podem possibilitar essa redução está a parceria entre as áreas de lavoura e pecuária, de modo que, após a colheita do grão, a terra seja arrendada para o pecuarista. Assim, o pasto permanece verde em praticamente todo o período seco e gera pastagem de qualidade na entressafra.
O plantio direto é outra técnica apontada pelo estudo por proporcionar a redução de nove milhões de toneladas de carbono por ano. “Só em plantio direto, o Brasil conta com 25 milhões de hectares atualmente. O produtor sabe que quanto mais fizer nesse sentido, mais irá agregar valor ao seu produto. No futuro ser sustentável será algo exigido”, avalia.
Porém, segundo França, ainda existe a necessidade de  maior apoio para que um modelo sustentável se integre definitivamente à agricultura. “Do ponto de vista de serviços ambientais, precisamos aumentar os incentivos”, ressalta o diretor da Embrapa.
Agenda ambiental consistente
A agricultura no Brasil representa 10% das emissões globais desse setor, ficando atrás somente da China. E a expectativa de crescimento das atividades agrícolas no País resultará no aumento das emissões em 40% entre 2005 e 2030, segundo o estudo da McKinsey & Company.
De acordo com o “Caminhos para uma economia de baixo carbono no Brasil”, três fatores relevantes nos mercados interno e externo são considerados nessa estimativa: o crescimento populacional; o desenvolvimento global, resultando em crescimento do PIB per capita e as mudanças nos hábitos alimentares, aumentando o consumo de carnes.
Para Cerri, o governo brasileiro já reconhece a ameaça das mudanças climáticas para a agricultura e procura estimular melhores práticas por meio de projetos de pesquisas, por exemplo.  “Se o nosso PIB depende da agricultura deve-se fazer algo para evitar as mudanças climáticas graves”, ressalta.
Porém, a crise financeira mundial pode reduzir o investimento em planos mais sustentáveis para diversos setores, inclusive para a agricultura. De acordo com França, até mesmo a China que fez da questão ambiental um item forte em sua agenda, já deu um passo para trás, colocando a geração de emprego como prioridade e investindo em outras indústrias.
“Apesar de estarmos em um momento conturbado, acredito que a economia mundial voltará para um padrão de estabilidade em cerca de dois anos e permitirá que a agenda ambiental seja consistente para os ministérios de agricultura, ciência e tecnologia, meio ambiente e para os produtores rurais”, conclui.
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BOX:
Principais iniciativas com potencial para redução de CO2 no setor agrícola:
Práticas de plantio direto e gestão de resíduos
Gestão de nutrientes em plantações
Gestão de nutrientes em pastos
Inundação rasa para plantio de arroz
Gestão de nutrientes em arroz
Gestão de pastos
Restauração de solos orgânicos
Aplicação de vacina antimetano e administração de medicamentos para controlar os gases emitidos pelo gado
Práticas agronômicas
Restauração de terras degradadas
Suplementos alimentares para gado
Fonte: Caminhos para uma economia de baixo carbono no Brasil, McKinsey & Company

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