A história de Marina Silva se repete?

A história de Marina Silva se repete?

Por Sandrine Lage
Não se trata de esquerda nem de direita. Aliás, Nicolas Hulot não pretende ser “enclausurado” nestas opções. Trata-se de colocar a ecologia no centro do debate político, mesmo que ele não chegue à Presidência da República francesa. “Se isso acontecer, considero o balanço positivo”, declarou em entrevista recente ao “Canal+”, da televisão francesa, o ecologista e ex-apresentador mais admirado pelos franceses.
Ganha, essencialmente, a ecologia (mais do que os ecologistas), como afirmou Claude Marie-Vadrot, do jornal Politis; ganham os “verdes”, cuja posição se une à de Hulot: ambos acusam Sarkozy de ter condenado ao fracasso uma promissora reforma em termos ambientais (o projeto Grenelle de L’Environnement); e ainda ganha o Governo francês ao assistir, com gosto, ao afastamento da candidata dos “verdes”, Eva Joly (considerada “incômoda”, a ex-juíza teve em mãos grandes casos de corrupção política como, por exemplo, o de Jacques Chirac). Por outro lado, perdem Sarkozy, atual presidente da República, acusado de tratar a ecologia como “processo marginal”, e Marine Le Pen, candidata de extrema-direita, com quem Hulot assume não ter nada em comum.
Aliás, o fato de Hulot optar por se candidatar à Presidência através do partido dos “verdes” surge num contexto em que os partidos clássicos não assumiram a ecologia como uma questão prioritária, tal qual a própria União Europeia,  apesar de todos os discursos de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. “Bem sei que, sozinha, a França não pode forçar o itinerário do mundo, mas numa Europa que vacila e onde é cada vez mais necessária, a França pode ter um impulso extraordinário se sair da ortodoxia em todos os domínios, nomeadamente na economia”, sublinha o candidato.
“Tem boa aparência, um estilo claro e sincero”
A probabilidade de Nicolas Hulot tornar-se presidente é reduzida. Os franceses têm essa noção. Ainda assim, para um homem que goza de grande notoriedade pública há mais de 20 anos mesmo sem qualquer experiência política, os resultados são animadores: pesquisa realizada em abril (Sondagem IFOP pour Sud Ouest Dimanche; fonte: Le Grand Journal Canal+, 03/05/11), que perguntou aos franceses qual das seguintes personalidades preferiam – se Eva Joly (candidata dos “verdes”) ou se Nicolas Hulot -, os resultados foram, respectivamente, de 28% e 60%. Mesmo entre os simpatizantes dos “verdes” a tendência permanece: 28% e 32%.
Neste contexto, é natural que os “verdes” desejem Nicolas Hulot como candidato à Presidência pelo seu partido. Ainda que, como efeito, Hulot tenha de afastar Eva Joly. A candidata apelida o ex-apresentador de “telecologista”, relembrando que “há que se saber discernir notoriedade e credibilidade.” Isto porque, no passado, os “verdes” acusaram Nicolas Hulot de ter sido “cúmplice” de Sarkozy por ter parabenizado publicamente a iniciativa do Grenelle de L’Environnement (ainda que também tenha criticado a mesma publicamente). Além disso, o fato de Hulot ter sugerido o nuclear como uma opção e ter revisto a sua posição publicamente face ao desastre de Fugushima, tornou-o alvo fácil de críticas por parte dos seus opositores.
Independentemente deste contexto, uma pesquisa atual classifica Hulot como a segunda figura pública francesa mais popular. O que não significa, naturalmente, que nas urnas o voto lhe seja garantido. Já fora delas, a opinião é unânime, como  descreve o jornalista britânico Henry Samuel, jornalista do The Telegraph: “Tem boa aparência, um estilo claro e sincero”. Compara-o, ainda, ao britânico David Attenborough. Contudo, o papel do ecologista e ex-apresentador no contexto gaulês deixou uma impressão bem mais profunda.
12 anos de conversa = 0 sacolinhas de plástico na caixa
Hulot fez mais do que qualquer outra figura pública da França pela difusão de ideias realistas sobre o estado da ecologia no mundo. Mesmo o jornalista Fabrice Nicolino, que publicou recentemente o polêmico livro “Qui a tué l’écologie?” (“Quem matou a ecologia?”), o reconhece. No seu livro, Nicolino insinua que, ao se reunir com Hulot, os homens de Poder (como Chirac e Sarkozy) apenas tinham como objectivo melhorarem suas imagens junto do público em geral (longe de pensar em alterar a política francesa…) “Doze anos de Presidência da República (de Jacques Chirac) e dezenas de horas de conversas privadas com Hulot (apenas) levaram Chirac a proibir sacolinhas de plástico nas caixas do supermercado”, provoca Nicolino. O polêmico livro, lançado em abril de 2011, acusa, ainda, o ecologista francês de se “sujeitar à autoridade política do momento, de continuar a falar – quando nada foi feito -, de não agir e, sobretudo, de evitar confrontos.”
É importante dizer que Hulot se declara pacifista. Aliás, sobre a morte de Bin Laden, confessou preferir que fosse apanhado vivo. Ao fazê-lo, sublinhou que seria bom fomentar uma leitura sobre o fosso existente entre as duas culturas, uma vez que não entende a violência como espontânea, mas sim, adquirida (logo, passível de ser evitada). Na mesma ocasião, o ecologista destacou a importância de olhar para as relações Sul/Norte e de assumir – ao inverso do que reza a história -, que coube aos países do Sul participar do financiamento do Norte e não o contrário.
Da taxa carbono à Greentech
Independentemente das críticas, é inegável a contribuição de Hulot para o avanço da temática na França. Resta confirmar se “passado o tempo de testemunho e de alerta ecológicos” – como diz o candidato -, o programa proposto contribui para “uma alternativa política global”.
Um novo projeto fiscal (que conta com a contribuição do economista Thomas Piketty) que contempla uma “taxa” sobre as emissões de carbono, implementa tarifas progressivas de eletricidade e água e, ainda, promove reabilitação térmica do parque imobiliário é uma das medidas do programa de Hulot. Apoiado por seu grupo de especialistas, suas propostas também dedicam parte das soluções à agricultura, à educação, à juventude e à tecnologia de ponta em greentech. Curiosamente, o programa ainda não consta na sua página de candidatura nem na maioria das entrevistas realizadas na mídia.
Contudo, no Grande Jornal do Canal+, uma jornalista questionou o candidato sobre questões atualmente em debate na França. Sobre o nuclear, que Sarkozy declarou no próprio dia apoiar, Hulot argumentou (recorrendo a um exemplo de referência) que a própria China terá ultrapassado, em 2013, o programa de energia eólica previsto para 2020. Sublinhou, ainda, que o eólico produz sete vezes mais energia na China do que o nuclear… Completou o raciocínio, alertando, porém, que seria necessária pelo menos uma geração para abandonar o nuclear, recorrendo a diversas alternativas simultâneas aplicadas de forma gradual. Após seu discurso, mencionou sua intenção de industrializar a França com base nas novas tecnologias (para energias renováveis).
Salário mínimo, diversidade e cannabis
Em relação a questões de ordem diversa colocadas por uma jornalista no jornal do “Canal+”, as respostas fugiram ao sim/não pretendido: em relação à política de cotas raciais na seleção francesa (uma questão recente e polêmica), Hulot adiantou que, tratando-se de jogadores de nacionalidade francesa, a questão de cota não deveria sequer ser discutida; quando questionado se aumentaria o número de frotas policiais, respondeu que seu objetivo é humanizar as ruas (o que foi interpretado como um “sim”); sobre alterar o salário mínimo (que atualmente ronda os 1300 euros, ou seja, cerca de 3000 reais): “o aumento para 2012 será em função do custo de vida”; regularizar os sem-papéis? “Em casos extremos, sim”; e, por fim, legalizaria a maconha? “A resposta assentaria num debate de sociedade”, concluiu.
Na realidade, entre os meios de comunicação – assim como entre a oposição – pouco se discute o programa proposto. Escreve-se que Nicolas Hulot precisa “se politizar” e procura-se antes apurar quem vai financiar sua campanha (estão de olhos postos a aguardar se equivalem aos patrocinadores da Fundação e do programa de televisão que abandonou). Os jornalistas insistem também em questões “prioritárias” (mesmo no Nouvel Observateur): “Se for eleito Presidente, vai usar gravata?”
* Sandrine Lage é Mestre em Sustentabilidade pela Universidade de Cranfield, Reino Unido, e autora do livro “Sustentabilidade na mídia: o poder de (in)formar” (Envolverde, 2009 – Brasil)

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