A ascensão da ética altruísta

A ascensão da ética altruísta

Os famosos escândalos de Enron, WorldCom e Parmalat ensinaram o mundo dos negócios que a sociedade moderna não está mais disposta a conviver com  empresas eticamente incoerentes e que o exercício de uma moral ambígua constitui um risco cada dia mais perigoso para as reputações e, por tabela, para a saúde das corporações.
A moral ambígua foi sempre uma prática comum nas empresas, especialmente as de origem latina. Fundamenta-se na tensão entre dois tipos de moral, isto é, entre dois códigos do que é certo e errado na condução de um negócio. Um código é o da moral pública, essencialmente católica, baseada na evocação da virtude e do altruísmo. O outro é o da moral privada, uma espécie de sistema de normas oficioso que, em nome de idéias como competitividade, briga por mercado e economia de custos, trata como normais comportamentos egoístas, menos nobres e passíveis de culpa e penitência.
Da porta para fora, deseja-se ser percebido pela associação com valores elevados. Entre quatro paredes, contraditoriamente, aceita-se por exemplo, subornar um fiscal da prefeitura, sonegar impostos ou mesmo usar do poder de compra para pressionar um fornecedor, sob a alegação de que esta é a regra do jogo e que para jogá-lo bem é necessário utilizar os meios disponíveis, sejam eles éticos ou nem tanto. A ética de duas mãos sempre existiu e foi socialmente tolerada.  Os deslizes de Enron, WorldCom e Parmalat apenas a tornaram pública, conferindo-lhe  a mesma sensação de desconforto de uma fratura exposta. Para ficar na metáfora até aqui adotada, seus escândalos abriram a porta da sala fechada onde a moral oportunista escondia os seus segredos e colocaram sob o julgamento público práticas discutíveis sob o ponto de vista ético, levando o universo corporativo a debater a necessidade de mecanismos de controle, auditoria e governança e a cultuar valores como a transparência.
Uma empresa pode até achar que conseguirá esconder as suas práticas. Ou que seguirá contando com a tolerância –ou indiferença – da sociedade para os seus pequenos escorregões éticos.  Mas o fato é que a moral egoísta, aquela que desconsidera o interesse coletivo, tem os seus dias contados. É uma armadilha perigosa.
Primeiro, porque a atuação empresarial tem sido crescentemente objeto de controle social dos diferentes públicos com os quais uma corporação se relaciona. Menos tolerantes às transgressões de regras, clientes já admitem boicotar produtos, funcionários demitem patrões incoerentes, comunidades realizam protestos, parceiros estabelecem pactos formais de boa conduta e governos exercem maior fiscalização.
Segundo, porque os novos líderes, especialmente os mais jovens, começam a perceber que a flexibilidade nos parâmetros éticos não é tão bom negócio quanto parecia no passado, na medida em que joga contra a construção de uma sociedade melhor, reforçando, no final das contas, a mesma e cínica Lei de Gérson á qual se atribui boa parte das nossas mazelas. Toda vez que uma empresa paga propina, exige benesses na hora de fechar um negócio ou se recusa a reduzir a emissão de carbono na atmosfera, ela trabalha a favor de um modelo de sociedade insustentável, ambientalmente irresponsável e mantenedor de desigualdades – um modelo falido que se quer extinguir. Pode ganhar alguma coisa agora. Todos, porém, perdemos no médio e no longo prazos. Referenciais éticos claros, compromissos cívicos elevados e respeito ás regras do bem coletivo passarão a ser cada vez mais socialmente valorizados como traços distintivos do caráter das corporações.
Nesse contexto, a RSE –Responsabilidade Social Empresarial impõe-se como um instrumento importante para fazer prevalecer a ética altruísta sobre a egoísta. A sua crescente inserção na cultura dos negócios empresta sentido prático a uma discussão antes retórica, e até algo ingênua, sobre revisão de princípios empresariais. Mais do que isso, resgata valores éticos que se fragilizaram com o tempo e bota óleo novo nas engrenagens da lógica capitalista:  o lucro deixa de ser a medida única e exclusiva para definir uma decisão certa ou errada na condução dos negócios; a capacidade de parte desse lucro gerar ganhos sociais e ambientais constitui um valor novo e em ascensão. É certo que algumas empresas ainda não compreenderam isso. E, em vez de considerarem a RSE um investimento, admitem, a portas fechadas, que ela representa um fardo imposto pela sociedade contemporânea, um custo adicional e não uma oportunidade para reformulação do negócio com base na teoria do ganha-ganha. Do ponto de vista ético, a responsabilidade social é uma espécie de bússola para quem trabalha em empresas pois prega a coerência entre o que se diz e o que se faz, entre o que se pensa e como se age, entre o que se crê e o que se realiza.

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