Boa notícia para quem deseja saber o que ler sobre sustentabilidade. Acaba de ser lançada no Brasil a obra Os 50 + Importantes Livros em Sustentabilidade (Editora Peirópolis), uma iniciativa oportuna do Instituto Jatobás em parceria com a Universidade de Cambridge.
Sobre este livro de Wayne Visser, presidente da CSR International, publiquei no início de 2011 um artigo no qual, depois de discutir criticamente a lista de Cambridge, selecionava os meus 25 preferidos. Vale a pena, no entanto, relembrar o inusitado histórico de sua concepção: em 2008, o Programa Liderança para a Sustentabilidade daquela universidade teve a brilhante sacada de entrevistar 3 mil ex-alunos, todos líderes sêniores, para verificar os livros ligados à sustentabilidade que mais tinham influenciado sua maneira de encarar o tema.
Chegaram a cinquenta títulos, entrevistaram autores e redigiram boas resenhas a respeito das obras. Com fórmula tão criativa, saiu um livro, no mínimo, provocativo, que a edição brasileira, muito bem cuidada, só fez valorizar – o projeto gráfico leve abriga e emoldura bem a estrutura original baseada em ideias-chave, sinopse, tópicos do livro e, em alguns casos, curtas entrevistas.
Como toda a lista de melhores, a de Cambridge não vai agradar gregos e troianos. E é bem provável que você – como eu – torça o nariz diante da falta de algum livro importante – o Plano B 4.0, de Lester Brown, é uma das ausências mais notórias – ou estranhe a inclusão de obras desconhecidas por essas bandas, como, por exemplo, Almanaque de uma Região Árida, de Aldo Leopold.
Nada disso, no entanto, diminui o brilho deste guia de leitura de Cambridge. É assim mesmo que vejo Os 50 + Importantes Livros em Sustentabilidade: um compêndio interessante, criterioso e bem escrito, de cujos vários méritos o principal consiste em apresentar aos leitores brasileiros obras referenciais – algumas nunca traduzidas no País – que devem ser lidas por quem deseja acessar o melhor do pensamento em sustentabilidade nos últimos 50 anos.
Pois então vejamos. Na lista dos clássicos, estão lá o precursor Primavera Silenciosa (1962), de Rachel Carson, O Negócio é ser Pequeno (1973), de E.F.Schumacher, Gaia (1979), de James Lovelock e A Ecologia do Comércio (1993), de Paul Hawken – esta última obra, considerada um marco, provocou o empresário Ray Anderson a transformar a sua empresa de carpetes, a InterfaceFlor, em ícone global de mudança para a sustentabilidade.
Se se pode atribuir a livros o poder de mudar paradigmas, esses quatro são excelentes exemplos. A metáfora da primavera triste de Carson foi decisiva para a proibição do DDT nos pesticidas e também para a criação da Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Schumacker, com a tese de que economia baseada em crescimento é em si insustentável; e Lovelock, defensor da ideia de que a Terra equivale a um sistema vivo que se autorregula, influenciaram pensadores de diferentes áreas do conhecimento. Suas ideias nunca foram tão atuais quanto nesses tempos de mudanças climáticas.
Há também no compêndio títulos que, dada a condição de documentos relevantes em suas épocas, não poderiam ficar de fora de nenhuma lista dos melhores. São quatro os casos. Encomendado pelo Clube de Roma no início da década de 1970, Limites do Crescimento (Donella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens/ 1972) foi o primeiro relatório internacional a apontar o impacto do crescimento econômico no esvaziamento do estoque de recursos naturais. Nosso Futuro Comum (1987), coordenado pela ex-primeira ministra norueguesa Gro Bruntland, não só confirmou algumas das conclusões do Clube de Roma como propôs, na forma de solução, o conceito de desenvolvimento sustentável hoje consagrado.
Com Uma verdade Inconveniente (2006), o ex-vice presidente Al Gore fez o que os cientistas do clima não conseguiram: organizou os dados mais alarmantes das pesquisas do clima, botou numa linguagem acessível em livro e filme e fez a mensagem pró-economia de baixo carbono rodar pelo mundo. E em A Economia da Mudança Climática (2007), sir Nicholas Stern, da London School of Economics, deu números redondos aos custos da inércia em relação ao aquecimento global, cravando o percentual de 1% do PIB mundial como o montante de dinheiro necessário para bancar anualmente ações de prevenção e adaptação ao esquentamento do planeta. Fico aqui pensando o que seriam dos que defendem, em empresas e governos, a transição para uma economia verde sem os argumentos extraídos dessas obras fundamentais?
Como todo leitor passional e imaginativo, considero-me levemente vaidoso das ideias que adquiro, como se os autores as tivessem contado primeiro para mim. Assim, gosto de saber que obras referenciais em minha vida também marcaram a de tantos líderes formados em Cambridge. Entre elas, destaco do livro Canibais de Garfo e Faca (1997), do sempre influente John Elkington, O Espírito Faminto(1997), do guru inglês de gestão Charles Handy; Desenvolvimento como Liberdade(1997), do economista indiano Amartya Sen, Presença (2006), de Peter Senge e Otto Scharmer entre outros; A Riqueza na Base da Pirâmide (2004), de C.K. Prahalad; e O fim da pobreza, de Jeffrey Sachs (2005).
Ao final da leitura de cada um desses livros, muito diferentes entre si, mas todos absolutamente inovadores em suas ideias, restou-me a agradável sensação – talvez a melhor que um livro possa proporcionar – de ter aprendido o equivalente a um curso de especialização pelo preço de um almoço self service.
A considerar que o debate da sustentabilidade implica, a rigor, uma crítica ao business as usual e uma tentativa de revisão dos fundamentos do modelo econômico prevalente, não surpreende que quatro títulos da lista se apoiem no termo capitalismo. São eles: O Capitalismo na Encruzilhada (2005), de Stuart Hart; Capitalismo Natural (1999), de Paul Hawken, Amory Lovins e Hunter Lovins; A Crise do Capitalismo Global (1998), de George Soros; e Capitalismo como se o mundo fosse importante (2005), de Jonathon Porrit. Todos valem cada parágrafo de leitura, por diferentes razões. Mas apenas os três primeiros foram publicados em Português (respectivamente pelas editoras Cultrix/2010, Bookman/2006 e Campus/1999). Dois deles são bastante propositivos.
O trio Hawken, Amory e Hunter Lovins sugere quatro estratégias filosoficamente claras na direção do capitalismo natural: aumento radical da produtividade de recursos, criação de modelos de produção e materiais inspirados na natureza, e de modelos de negócio baseados em “serviço e fluxo” e reinvestimento em capital natural.
Para tirar o capitalismo da “encruzilhada”, Hart recomenda às empresas quatro ações no sentido de criar o que chama de “valor sustentável”: reduzir o consumo de material e poluição, operar em níveis mais elevados de transparência ao longo de todo o ciclo de vida do produto, desenvolver tecnologias de ruptura que reduzam o tamanho da pegada humana no planeta e satisfazer os que estão na base da pirâmide, facilitando a distribuição de renda inclusiva.
Ainda, reagindo como um leitor emocional, agrada-me ver na lista livros que, por motivos muito distintos, inspiraram-me as melhores reflexões. Nesta categoria, incluo O Banqueiro dos Pobres (1999), de Muhammad Yunus; Sem Logo (1999), de Naomi Klein; Meu Jeito de Fazer Negócios (2000), de Anita Rodick; e O Ponto de Mutação (1982), de Fritjof Capra.
Precursora do movimento de responsabilidade social empresarial, Anita foi uma inspiração permanente ao longo de todo o processo de elaboração do meu livro Conversas com Líderes Sustentáveis. E em Capra, tomei contato, ainda adolescente, com a noção de interdependência e de teia da vida, que estrutura, de algum modo, o próprio conceito de sustentabilidade.
A leitura de Os 50 + Importantes Livros em Sustentabilidade provocou-me dois sentimentos igualmente perturbadores. O primeiro, mais prosaico, diz respeito à realização plena do potencial de uma obra deste tipo: tomara que ela realmente funcione como aperitivo – e não prato principal -, despertando nos leitores o desejo de ler os livros e se aprofundar nas ideias dos autores. Do contrário terá contribuído, ainda que essa nunca tenha sido a sua intenção, para reforçar a cultura de “orelha de livro” da qual são adeptos os que têm pressa, os preguiçosos e os que gostam apenas de parecer eruditos, pinçando citações para inserir em apresentações corporativas rasas.
O segundo tem a ver com a constatação – essa sim menos prosaica – de que, somados os cinquenta títulos, o gênio humano produziu em 50 anos pelo menos 10 mil páginas de ideias que, aplicadas pelos líderes de Cambridge que as elegeram, já poderiam ter feito a diferença em favor da sustentabilidade do planeta. Ou seja, não nos falta conhecimento. Mas vontade política e compromisso. Com esta bela obra do Instituto Jatobás não nos faltam bons livros para escolher. Precisamos de leitores ativos e engajados.
Ricardo Voltolini é diretor-presidente de Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade (www.ideiasustentavel.com.br), autor do livro Conversas com Líderes Sustentáveis e idealizador da Plataforma Liderança Sustentável, iniciativa que visa conectar, inspirar e educar líderes empresariais para a sustentabilidade (www.ideiasustentavel.com.br/lideres).
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