Tenho especial identificação com Jo Confino, editor-executivo do jornal inglês The Guardian e diretor do Guardian Negócios Sustentáveis. Não nos conhecemos, mas é como se já tivéssemos conversado longamente sobre assuntos de interesse comum. Como ele, prospecto tendências de sustentabilidade que podem impactar empresas, pesquiso sobre liderança sustentável e até criei um movimento, a Plataforma Liderança Sustentável, para reunir líderes que, além de resultados, entregam valores. Confino capitaneia um hub com a mesma finalidade.
Almas gêmeas vivendo em continentes distintos, partilhamos da mesma convicção de que o mundo corporativo – a rigor, o mundo! – vive uma crise de liderança que tem feito dos negócios inimigos—e não aliados– da preservação do planeta e do desenvolvimento da sociedade. Em recente artigo, ao afirmar que a maioria dos líderes têm recorrido à “tática da avestruz” para evitar temas espinhosos como as mudanças climáticas ou o colapso da biodiversidade, o especialista propôs uma interessante forma de medir quão visionários são os líderes empresariais de um país: quantos executivos inspiradores, realmente preocupados em conjugar lucro com respeito ao meio ambiente e à sociedade, você, caro leitor, consegue nomear de memória? Assim, sem pensar muito?
Quantos executivos inspiradores, realmente preocupados em conjugar lucro com respeito ao meio ambiente e à sociedade, você, caro leitor, consegue nomear de memória? Assim, sem pensar muito.
Duvido que você consiga identificar mais do que cinco. Confino admite que ficaria rico se recebesse uma moeda cada vez que, em resposta a essa pergunta, alguém mencionasse o nome de Paul Polman, CEO da Unilever. Aplicado no Brasil, o teste certamente reconheceria alguns dos 60 líderes integrantes da Plataforma Liderança Sustentável. Conclusão óbvia do editor do The Guardian com a qual sou forçado a concordar: estamos falando ainda de um clube de poucos sócios.
Incitado por um grupo de empresários a como ampliar o número de CEOs interessados no tema, o especialista listou um conjunto de 29 qualidades, sintetizada por mim em 18 — que poderiam “mobilizar a força interior”, incorporando-se, como “habilidades” de liderança, às próximas gerações de líderes.
Como, de certo modo, essas qualidades estão todas relacionadas a valores ou novos modelos mentais – o mote do trabalho que realizo à frente pela Plataforma Liderança Sustentável –, reproduzo-as aqui não só para fruição diletante de quem nos lê, mas como desafio para que os gestores de empresas as considerarem nos seus próximos esforços de desenvolvimento de pessoas. Vamos a elas:
Parece óbvio. Mas há líderes que acham ter vindo ao mundo com a missão exclusiva de ganhar dinheiro. Não vieram. Estamos todos a serviço da vida. Se a sua biografia cabe numa planilha de excel, hora de repensar a carreira. Ou a vida.
2. Seja apaixonado e se divirta
Esta segunda qualidade deriva da primeira. A maioria dos líderes empresariais que conheço parece achar que cara feia e sisudez impõem respeito. Já se sabe que quem prospera mais é quem se diverte no trabalho. Este é o nosso estado natural de ser.
3.Seja autêntico, diga a verdade
Experiência vivida no convívio com bons e maus líderes: nada é mais poderoso do que ser quem se diz que é. Os autênticos não precisam dizer muito para convencer ninguém. Apenas dizem a verdade. Verdade gera confiança. Confiança é o éter que alimenta as relações.
4.Esteja consciente quanto às gerações futuras
Ao tomar decisões de negócio, considere se poderá, à noite, na hora do jantar, olhar nos olhos dos seus filhos sem sentir receio, culpa ou vergonha.
5.Seja humilde e valorize o poder do não saber
Palavrinha fora de moda no mundo corporativo. Tudo o que somos é o resultado de todos os que vieram antes de nós. Devemos resistir à armadilha de achar que tudo se resume a nós. Também defendemos este atributo na Plataforma Liderança Sustentável: em sustentabilidade, um campo de conhecimento em construção, ninguém tem todas as respostas; elas estão para ser descobertas.
O mundo dos negócios ainda valoriza muito quem sabe, quem tem todas as respostas. Só que a vida é um mistério. O não saber representa uma forma de poder na medida em que permite ao líder se abrir ao novo.
6.Não queira estar sempre à frente…e ande mais devagar
Essa qualidade contraria dois preceitos vistos como virtudes no mundo empresarial. Os mais importantes líderes são aqueles que reconhecem que, às vezes, é mais eficaz colaborar para seguir junto e ao lado do que estar sempre à frente. Quando tudo ao redor muda num ritmo cada vez mais acelerado, desacelere e reconheça o que perdura.
7.Seja um visionário
Apostar numa visão de mundo, ao mesmo tempo ousada e inclusiva, equivale a construir uma ponte sobre o abismo. E pontes facilitam a travessia das pessoas. É um ato de coragem e generosidade.
8.Seja flexível
O que você acredita ser o certo pode estar errado ou, na melhor das hipóteses, parcialmente certo. Esteja sempre pronto para mudar suas ideias em virtude das mudanças da realidade. E a realidade invariavelmente muda. Líderes que não mudam, envelhecem e perecem.
9.Use bem o poder do seu ego em vez de se deixar dominar por ele
O ego dos líderes costuma estimular a vaidade, a sanha de ganhar e de se sentir superior. Evite ser refém de uma visão estreita de sucesso que coloca os outros na posição de vencidos. Adote um modelo de ganha-ganha nas relações.
10.Aprenda com os líderes mais estimados
Este é outra bandeira importante da Plataforma Liderança Sustentável. Confino propõe que nos espelhemos nos líderes que representam um exemplo de “luz para a humanidade”, entendendo o que os motivou em suas jornadas e como eles criaram movimentos que transformam o mundo.
11.Não se entregue ao medo
Todo esforço de mudança e transformação nos coloca sempre diante da escolha entre o amor e o medo. Enquanto o amor nos conecta com o mundo, o medo nos leva à contração, à defesa e ao conflito.
12.Não se isole numa torre de marfim
Evite ficar recluso num grande escritório cercado por pessoas que só sabem dizer sim. As respostas para os problemas raramente são encontradas na sala de reuniões. Ouça os que dizem não. Nem sempre os que gritam mais alto são os que merecem ser mais ouvidos. Identifique os “loucos” que andam à espreita, discretamente, pelo cantos, pois eles normalmente têm as soluções mais valiosas. Se você não consegue encontrar na empresa os “fora da caixa”, comece a contratá-los.
13.Nunca se esqueça de que uma empresa é um ser vivo
Reconheça, em suas atitudes, que um negócio não é uma máquina, mas um organismo maravilhoso e complexo, com sua própria personalidade e uma extraordinária rede de conexões e relacionamentos. Viva com a empresa. Não pela empresa.
14.Esteja aberto a diferentes formas de saber
Paradoxalmente, tomar decisões , tendo como ferramenta única de navegação a mente/razão, não faz mais nenhum sentido racional. Acesse o arquivo de sua intuição e busque nela a inspiração para avançar. Não abra mão da alegria dos seus momentos “eureka”.
15.Adote uma abordagem multidisciplinar
O que pode ser mais desanimador do que sentar numa sala cheia de executivos de negócios, quando você sabe que fora dos muros corporativos estão psicólogos, filósofos, artistas, antropólogos e líderes espirituais que poderiam melhorar a sua compreensão sobre o seu trabalho e a sua vida.
16.Seja vulnerável
Na cultura tradicional de negócios, não se pode ser vulnerável. A vulnerabilidade é vista como uma fraqueza a ser escondida dos olhares impiedosos do outro. No entanto, bem utilizada, ela pode ser uma ferramenta poderosa quando se fala com o coração aberto.
17.Reconheça que não há existe pensamento neutro
Não devemos estar vigilantes apenas em relação às nossas ações. Os pensamentos que levam às ações também precisam ser vigiados, porque eles também mudam o mundo – para melhor ou pior.
18.Não espere amanhã para criar o seu legado
Alguns executivos empurram para o final de suas carreiras a ideia de deixar um legado, retribuindo à sociedade um pouco do que receberam ao longo de suas vidas. O ideal é que eles deixem legados nos vários momentos de sua carreira. Você já pensou no que seriam esses legados?
Ricardo Voltolini é diretor-presidente de Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade, palestrante, idealizador daPlataforma Liderança Sustentável e autor, entre outros, de Conversas com Líderes Sustentáveis (Senac-SP) e Escolas de Líderes Sustentáveis (Elsevier).
A Ideia Sustentável constrói respostas técnicas eficientes e oferece soluções com a melhor relação de custo-benefício do mercado, baseadas em 25 anos de experiência em Sustentabilidade e ESG.