Réplicas – 10 desafios para uma gestão hídrica sustentável

Réplicas – 10 desafios para uma gestão hídrica sustentável

5- Limitação das operações de negócios

Cada vez mais as empresas se interessam pelo risco relacionado à pegada hídrica devido ao fato de que esse aspecto poderá limitar suas operações nos próximos anos: fábricas serão fechadas, faltarão ingredientes, entre outros dilemas. Nesse cenário, o mais importante não é avaliar apenas a pegada operacional, mas manter um olhar sobre toda a cadeia de suprimentos – pode-se economizar muito por meio dela. Quando uma empresa repõe a água limpa que utiliza, não há problema. Mas, dependendo da época do ano – de maio a agosto, por exemplo -, o consumo das organizações excede a capacidade da natureza de repor o recurso. É justamente nesse período que elas precisam agir diminuindo a pegada hídrica. O que se pode fazer é bastante simples, pelo menos do ponto de vista tecnológico. Não há razão para a existência da pegada azul das indústrias – deve-se “reciclar” a água. Sobre a pegada cinza também não há desculpa – estamos despejando poluentes nos rios, mas isso não deve acontecer.

Na agricultura a história é mais difícil, mas usando a tecnologia pode-se reduzir até 50% do gasto; precisamos agir nos pontos críticos e nas áreas em que existe maior potencial de redução. Claro, também é preciso haver incentivo dos governos para que as empresas ampliem suas ações.

6- Quem enxerga a oportunidade, sai na frente

O que vemos hoje, de fato, é que existem empresas atuantes na contabilidade da pegada de água e elas percebem a questão como uma oportunidade. Também enxergam o risco, mas o transformam em algo positivo.

Outras companhias veem esse desafio apenas como um risco e sentem-se um pouco amedontradas diante dele (‘ainda não chegou até nós’). Mas espero que as empresas vejam cada vez mais essa oportunidade, porque, quando se sai na frente, a posição no mercado é favorecida; e as organizações inteligentes vão começar um trabalho pró-ativo desde já.

Se o consumidor puder escolher entre duas empresas ou produtos com base no uso de água, acredito que escolherá aqueles que prezam pela conservação do recurso em seus processos.

7- Quebrando paradigmas culturais

Um dos desafios ou ‘gargalos’ para as empresas, neste momento, é a necessidade de romper com antigos padrões, promovendo uma quebra de paradigmas e mudando a forma de pensar. A ideia de que uma organização também é responsável pela sustentabilidade do que compra, de seus insumos, é algo novo.

Essa ampliação do ponto de vista traz desafios porque parece que algumas empresas nem ao menos conhecem seus fornecedores – elas entram no mercado global, consomem seus recursos, mas não sabem de onde eles vêm, não há transparência.

Não creio que haja setores de negócios resistentes à medição de sua pegada hídrica, porém alguns são mais ativos do que outros. A indústria de alimentos e bebidas, logicamente, tem abraçado o conceito fortemente. Outro setor também muito receptivo à ideia é o de papel e celulose. Ambev e Fibria são bons exemplos de corporações que se interessam pelo tema.  Entre aqueles que ainda não colocaram a questão na agenda está a indústria de mineração, por tratar-se de um segmento mais afastado do consumidor – e isso representa um fator significativo, pois o processo realmente é impulsionado pela conscientização das pessoas, por isso chega primeiro às empresas de uso intensivo de água, mais próximas dos indivíduos.

8- Quem paga pela escassez?

Partindo de uma perspectiva europeia, e ainda usando como exemplo a camisa de algodão, podemos perceber que sua produção começa na Ásia e o produto vai parar na Europa. Então devemos nos questionar o quanto polui-se a Ásia em cada etapa da cadeia produtiva para que o europeu possa se vestir.

Essa é a função da pegada hídrica: fazemos a ligação entre o consumo que acontece em um lugar e o impacto do sistema hídrico de outro. Retira-se água, muitas vezes, de onde há escassez. E isso deve ser considerado. Além do mais, a pegada pode ser menor quando se produz em áreas com manejo mais sustentável de recursos.

Em muitos países, especialmente da Europa, a pegada hídrica ‘exportada’ é enorme. No Brasil, por exemplo, a água está sendo usada para uma série de produtos vendidos ao exterior – e será que esses países estão pagando pela escassez do recurso em certas regiões daqui? Obviamente não.

9- Governos ativos na busca de ferramentas eficientes

Estados Unidos e Austrália também estão entre os maiores supridores de água, porém enfrentam grandes secas em todo o território; parece que apenas na América do Sul ainda existe água em abundância e o mundo inteiro vai depender disso. A China, por exemplo, envia sua pegada a outros lugares, pois está no limite da escassez – precisa buscar o recurso até para a produção de alimentos. Mesmo assim, não é possível imaginar um mundo no qual países como Índia e China tenham a mesma pegada per capita dos países desenvolvidos. Não é uma questão apenas de sustentabilidade, mas de igualdade.

Os governos precisam dar cada vez mais atenção à pegada hídrica; enquanto as organizações entram no tema muito rapidamente, percebendo a ferramenta forte que têm nas mãos para aumentar a consciência e desenvolver ações, os governos, neste momento, ainda se movem lentamente. Nos próximos anos, o poder público deve se tornar mais ativo e buscar possibilidades para definir e formular regulamentações visando à conservação do recurso e sua distribuição adequada. Esse cenário vai evoluir nos próximos cinco anos.

10- Um padrão global

Sem uma terminologia compartilhada não é possível comparar produtos e empresas. Por isso, desde fevereiro, o Manual Técnico de Pegada Hídrica balisa a medição global. Muitas empresas estão adotando a ferramenta voluntariamente, mas para um impacto real não basta apenas boa vontade: o governo precisa impor essa atitude por meio de legislação.

Temos percebido um movimento da União Europeia e das Nações Unidas, entre outras organizações, nessa direção. Mas o poder público realmente tem de encarar sua responsabilidade. Não podemos nos esconder da escassez de água – precisamos, sim, fomentar um uso sustentável, eficiente e justo a partir de agora.

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