Pensamento sustentável – A Responsabilidade social em quatro tempos

Pensamento sustentável – A Responsabilidade social em quatro tempos


Uma análise da evolução do conceito de responsabilidade social nas empresas brasileiras indica a existência de quatro estágios. O primeiro se baseia na negação da lógica do ser socialmente responsável. Os três seguintes, em sua afirmação. Mas diferem entre si no nível de intensidade com que a idéia passa do discurso á prática, incorporando-se ás estratégias corporativas e alterando o modo de pensar e fazer negócios. Certamente, á medida que for sendo apresentado a cada um deles, o leitor poderá fazer o exercício de encaixar as empresas que conhece neste ou naquele estágio.
Sobre os estágios, vale destacar dois pontos. À exceção do primeiro, os demais são complementares. A rigor, eles se sucedem numa escala evolutiva, isto é, o que vem na seqüência decorre de um aperfeiçoamento do anterior e não de sua completa anulação. Muito embora o ritmo de transição de um para outro varie conforme a cultura da empresa, aquela que avança para um estágio subseqüente dificilmente regride ao que ficou para trás, pelo simples fato de que a nova condição adquirida resulta de mudanças efetivas que vão do reconhecimento do papel social da empresa à consciência de que pode ser agente de desenvolvimento e transformação de comunidades. De qualquer forma, não é incomum que empresas estejam com um pé no estágio seguinte e o outro, no anterior.
O primeiro estágio é o da não responsabilidade social, uma espécie de fase zero ou pré-história do conceito. O nome pode nem ser o mais adequado, mas tem a sua força simbólica: nele, as empresas ainda não acordaram para a nova ordem, presas que estão a uma lógica egoísta que as transforma em organizações auto-centradas, preocupadas exclusivamente com seus processos e produtos, alheias aos eventuais impactos ambientais e sociais que possam causar ou mesmo ás condições de vida de suas comunidades. Não se pode dizer que não tenham identificado o seu papel social. Simplesmente, crêem não possuir papel social, além do de pagar impostos e gerar empregos. A defesa desse ponto-de-vista se estrutura no velho argumento do “já pago meus impostos, portanto, não tenho que assumir as responsabilidades dos governos pela qualidade de vida das comunidades.” Por certo, o leitor já topou com uma empresa que pensa assim.
A boa notícia é que elas estão ficando cada dia mais raras. Isso significa, na prática, um número crescentemente maior no estágio seguinte, o da cidadania corporativa. O nome, nesse caso, é bastante apropriado: uma empresa cidadã é aquela que se reconhece como parte de uma comunidade, entende ter um papel social e decide, de alguma forma, investir recursos em ações de saúde, educação, lazer e cultura. Este tipo de atitude tanto pode ser construída de dentro para fora (uma consciência que nasce do impulso solidário de ajudar) quanto de fora para dentro (quando não houve exatamente um despertar de consciência, e a empresa apenas se apropriou de um discurso cujos fundamentos, bem aceitos pelo mercado, geram simpatia em torno da imagem). No primeiro caso, o retorno esperado atende a aspirações de natureza filantrópica. No segundo, adiciona valor á marca.
Em comum, as empresas desse estágio agem de modo reativo, realizam ações pontuais (doações eventuais ou projetos), não estruturadas, não mensuráveis e despregadas de qualquer estratégia corporativa. É nessa categoria que se enquadra a maioria das empresas que aportaram, segundo o Ipea (2000), R$ 4,7 bilhões de reais em projetos sociais. Ao fazerem algum investimento, ainda que pequeno e esporádico, sentem-se “cidadãs”, sem ter que olhar para dentro, mudar estruturas, revisar formas de gestão.
Esta é a principal diferença para o terceiro estágio, o da responsabilidade social empresarial. Nele, as corporações aceitam o desafio –algumas mais, outras menos — de rever suas práticas sob a orientação de uma nova lógica: a de que o negócio, além de gerar lucro para os proprietários ou acionistas, precisa considerar o bem-estar e a realização dos funcionários, a qualidade de vida das comunidades, o relacionamento ético com fornecedores e governos e o menor impacto possível ao meio ambiente. Este comportamento nada tem a ver com bom-mocismo. É produto de uma nova consciência ética segundo a qual não se pode ser a árvore próspera de uma floresta de ruínas. Trata-se de uma revisão de valores morais, no sentido mais amplo do termo, cuja finalidade parece ser superar o que o economista André Lara Resende classifica como o “grande impasse do nosso tempo: a dificuldade de conciliar um sistema mais eficiente na geração de riqueza com a valorização da vida pública e da cidadania, indispensável para dar sentido á riqueza material”.
Também nesse estágio, o que distingue as empresas são o grau de intensidade e o ritmo com que alteram, de fato, suas práticas. Entre a incorporação de um discurso de mudança e a mudança efetiva no relacionamento com empregados, comunidades, fornecedores, governos, meio ambiente e sociedade, as corporações enfrentam resistências culturais, dilemas, contradições e movimentos de pequenos avanços e retrocessos. E isso ocorre, em grande medida, graças a uma tendência demasiadamente humana de resistir á mudança e permanecer ligado ao padrão que produz conforto e resultados.
O quarto estágio, o da sustentabilidade, é o mais avançado de todos. Enquanto no anterior, a responsabilidade social consiste em um conjunto de práticas internas, muitas vezes dispersas, não totalmente integradas e nem sempre intimamente ligadas á estratégia central do negócio, o da sustentabilidade se caracteriza pela adoção de um modelo novo de pensar e fazer negócios. Representa, de fato, uma ruptura. Na busca pelo triple bottom line, as empresas sustentáveis procuram conjugar resultados econômicos, sociais e ambientais, conferindo a cada um deles– e aí está o seu grande diferencial — o mesmo nível de importância.
Para elas, boa oportunidade de negócio é a que vem acompanhada de inclusão social de indivíduos, desenvolvimento de comunidades e uso sustentável de recursos. Lucro bom é o que, de alguma forma, decorre de um processo no qual foi possível distribuir riqueza, prosperidade e justiça social, preservando a saúde do Planeta. O que antes era visto como custo passa a ser investimento. E o que eventualmente se deixa de ganhar no curto prazo retorna mais adiante na forma de melhor ambiente para operar e se perpetuar – com menos desigualdades, menos tensões sociais, menos violência.
Um caso ilustrativo é o da Natura. Em construção há cinco anos, sua segunda fábrica será inaugurada em outubro, no município de Benevides, no Pará. A escolha do local obedece a uma política de sustentabilidade da empresa. Naquela região, encontram-se 2,5 mil famílias que cultivam óleos vegetais utilizados para a produção de sabonetes. Serão parceiros da empresa na nova planta industrial. Ao comprar diretamente dos produtores, a corporação reduz custos de produção, controla o uso sustentável da biodiversidade local, promove a inclusão social das famílias por meio da geração de renda e contribui para o desenvolvimento das comunidades de 21 municípios vizinhos de uma região com baixo IDH.
Mais uma vez, buscar a sustentabilidade não significa colecionar milhagem para o céu. É uma nova visão de negócio: sensível, ética e sobretudo inteligente. Estudo da Morgan Stanley mostra que empresas preocupadas com sustentabilidade valorizam 17% a mais. Por duas razões. Primeiro, porque, ao investirem em elevados padrões ambientais e sociais, elas reduzem custos e se tornam mais eficientes do ponto de vista financeiro. Segundo, porque, mais eficientes, aumentam a lucratividade. E apenas as empresas lucrativas podem gerar impacto nas comunidades em que atuam.
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