Escapando da armadilha da complacência

Escapando da armadilha da complacência

Por Jean-Louis Barsoux e Daina Mazutis

Quando questões e preocupações sociais e ambientais passaram a fazer parte do mundo corporativo na década de 1980, ela era impulsionada, principalmente, pelo desejo de evitar acidentes ou escândalos – muitas vezes em mercados distantes e difíceis de monitorar – que poderiam prejudicar a marca ou reputação da empresa.

De certa forma, a sustentabilidade ainda sofre com essa herança, empregando uma conotação defensiva. As empresas tendem a focar no que poderia dar errado, evitando chamar a atenção de fiscalizadores ou ONGs. Enquadrar a sustentabilidade como um “desafio” apenas reforça a impressão negativa. As empresas precisam superar e ir além desse foco no risco, na limitação e complacência.

Nossa pesquisa mostra que um grande compromisso com a sustentabilidade para além da complacência está relacionado com retornos financeiros mais elevados [1]. Portanto, um novo enquadramento deveria refletir estas possibilidades.

A sustentabilidade é coisa séria

Buscar uma estratégia de sustentabilidade pode ser algo libertador, e não necessariamente restritivo. Ela pode ajudar a desencadear o desempenho em três frentes vitais: inovação, comprometimento dos funcionários e reputação.

Estimulando a inovação

A história de sucesso da suíça Freitag mostra bem a mentalidade da busca por oportunidades na sustentabilidade. Como ciclistas, seus fundadores tiveram a ideia de fabricar suas próprias sacolas feitas a partir de lona de caminhão, pneu de bicicleta e cintos de segurança pois não encontravam bolsas resistentes e à prova da água no mercado. Antes de virar moda, seus produtos únicos fizeram muito sucesso entre entregadores que usam a bicicleta como meio de transporte. Hoje, a bolsa Freitag está presente até no Museu de Arte Moderna de Nova York.

Empresas estabelecidas também podem aproveitar da sustentabilidade para impulsionar a inovação. A Desso, por exemplo, é uma fabricante holandesa de médio porte de tapetes, e decidiram criar apenas produtos que poderiam ser totalmente reciclados [2]. Trabalhando junto com seus fornecedores, a empresa não somente criou novos materiais com propriedades antialérgicas, mas também novos desenhos que agradavam arquitetos e não engenheiros industriais. Dessa forma, a Desso evoluiu de uma empresa de baixa margem de lucro e com foco no preço, a uma de preço premium e focada na diferenciação.

O ponto chave é que questões de sustentabilidade, tais como padrões regulamentares, podem realmente estimular as empresas a buscarem por novas soluções. Tratar da sustentabilidade exclusivamente como uma restrição é limitar a si mesmo.

Mobilizando os funcionários

Se uma empresa pretende inspirar seus funcionários, é necessário que seu propósito vá além da criação de riqueza para seus acionistas. A chance de fazer algo positivo para o mundo libera energia coletiva – como vimos em uma pesquisa recente mostrando que funcionários de empresas com forte responsabilidade social são mais engajados e produtivos [3]. Veja o caso da Coronilla, fabricante alimentício boliviano de massas. Ao assumir a empresa familiar – que não andava nada bem – Martha Wille estava convencida de que o caminho da recuperação era seguir uma estratégia orientada para a sustentabilidade. Sua visão era de que a organização só conseguiria aplicar as inevitáveis medidas desagradáveis se ela tivesse um propósito social firme. A empresa foi de uma tradicional produtora de macarrão de trigo a uma exportadora de massas e lanches sem glúten especializados e feitos a partir de grãos andinos. Ela estabeleceu relações comerciais justas diretamente com as comunidades andinas agrícolas para adquirir matéria-prima, criando uma política de favorecimento à contratação de mulheres e pessoas com deficiência. A mudança radical deu certo: Wille criou um negócio saudável e repassou a empresa para seu filho.

Da mesma forma, a holandesa TNT, gigante da logística, embarcou em uma estratégia de sustentabilidade em 2001 levando-a ao topo do Índice de Sustentabilidade Dow Jones para seu setor. Peter Bakker, líder da empresa até 2012, comentou: “Nosso serviço é tão bom quanto a motivação dos funcionários. Como CEO, você pode falar até ficar rouco, mas as verdadeiras interações do dia-a-dia com os clientes são feitas pelos entregadores e motoristas das encomendas. Portanto, tudo que pudermos fazer para proporcionar mais orgulho e motivação por trabalhar na TNT irá ajudá-los a se dedicar mais ainda ao cliente” [4].

Uma estratégia de sustentabilidade coerente pode mudar a energia dentro de uma organização bem como a natureza das relações com clientes e fornecedores. Com os resultados positivos dos esforços de sustentabilidade, a TNT também conseguiu incentivar seus fornecedores e subcontratados a desenvolver modelos de cálculo de emissões de poluentes para atender às suas próprias metas.

Melhorando a reputação

Os exemplos anteriores mostram que a sustentabilidade pode melhorar em muitas empresas que passam por dificuldades. A sustentabilidade está em voga e chama bastante atenção. De acordo com uma pesquisa de 2012 feita pelo Reputation Institute, 42% da opinião das pessoas sobre uma empresa é baseada em suas práticas de responsabilidade social. A sustentabilidade pode até mesmo ajudar a reconstruir a imagem de empresas bem estabelecidas cujos produtos ou práticas têm sido criticados por ONGs. Por exemplo, a Tesco, varejista do Reino Unido, tem sido criticada por sua posição dominante no mercado interno. Porém, quando ela usa esse poder para forçar seus fornecedores a reduzir o desperdício de embalagens ou para educar seus clientes a utilizarem seus próprios sacos de compras, há grandes ganhos de sustentabilidade – e sua imagem diante do público também se beneficia.

Além de influenciar a compra do cliente e questões regulatórias, uma boa reputação de sustentabilidade também impacta as decisões de futuros funcionários. Em um mundo onde está cada vez mais difícil contratar os melhores talentos, a abordagem de uma empresa perante o meio ambiente, a ética e transparência pode atrair ou afastar candidatos concorridos. Entre os portadores de MBA, 40% consideram a responsabilidade social da empresa como um critério importante quando à procura de emprego [5]. Um relatório da Rutgers University chamado “O que os funcionários querem em 2012”, revelou que mais de um terço dos universitários formados estariam dispostos a ganhar 15% a menos para trabalhar em uma empresa comprometida com a responsabilidade social.

Mas assumir um posicionamento sustentável não é nenhuma solução rápida. O maior erro que as empresas cometem é de comunicar suas intenções de sustentabilidade e não cumprir. Isso descredibiliza o valor das iniciativas e expõem a empresa a acusações de “greenwashing” (onde a empresa se apresenta falsamente como ecologicamente correta) – como a BP, entre outras. A sustentabilidade corporativa pode servir como plataforma para o crescimento e a mudança, além de ser uma ótima ferramenta para reduzir custos, inovar, estimular funcionários, atrair talentos, aprofundar relações com parceiros e atingir novos clientes. A questão não é se a sustentabilidade compensa, mas quanto ela compensa. Nossa pesquisa aponta claramente que uma estratégia de sustentabilidade dedicada é diretamente relacionada à um bom desempenho da empresa.

Jean-Louis Barsoux é pesquisador sênior do IMD. Daina Mazutis é professora de Strategy, Leadership and Ethics no IMD. Suas pesquisas incluem a liderança estratégica, poder de decisão e a responsabilidade social das empresas.

 

Este artigo é inspirado no novo livro do IMD chamado ‘Quest: Leading Global Transformations’, que tem como objetivo ajudar a líderes empresariais e suas organizações a lidar com grandes mudanças de forma mais eficiente.

 
 
Referências:

[1] Mazutis, D. (2010). “Why zero is not one: Towards a measure of corporate social strategy.” Academy of Management Best Paper Proceedings, Montreal, Quebec: Winner – Social Issues in Management Division Best Paper Award.

[2] The case examples cited are all taken from published cases written by IMD professors.

[3] See M. A. Delmas & S. Pekovic (2013) “Environmental standards and labor productivity: Understanding the mechanisms that sustain sustainability,” Journal of Organizational Behavior, 34(2): 230-252.

[4] Peter Bakker interviewed by Paul Hunter (2009) “Responsible leadership summit,” featured on IMD’s exclusive Corporate Learning Network “Wednesday Webcast” series, February 2.

[5] Hollender, J. Orgain, A., & Nunez, T. (2010) “The business case for sustainability,” Sustainability Solutions Paper, Kaplan EduNeering/Seventh Generation Sustainability Institute: Princeton, NJ.

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