Era dezembro de 2019 quando a versão ainda em inglês do livro Empresas que Curam: Despertando a Consciência dos Negócios para Ajudar a Salvar o Mundo (Alta Books Editora, 2020) chegou às mãos da diretoria da fabricante de papelcartão Papirus.
À primeira vista, a ideia proposta pelos autores Raj Sisodia e Michael J. Gelb se mostrava ousada, especialmente para uma empresa em ação há mais de sete décadas, em um dos setores mais tradicionais da economia.
Seria realmente possível que companhias agissem como agentes de “cura” de suas pessoas (em vez de fontes de adoecimento, como resultado do costumeiro modelo de negócios predatório que vigorou por anos)?
Em uma jornada de autoconhecimento e reflexão que durou mais de dois anos, a Papirus vem mostrando que a resposta é sim – e que, inclusive, ela própria havia assumido há anos essa posição de healing organization, entre os grandes, que genuinamente se preocupam com cada um de seus stakeholders.
Tratar das pessoas ao redor sempre esteve no centro do DNA da empresa, muito antes de temas e siglas como ESG e “o novo RH” se difundirem e ganharem a importância que têm hoje.
Agora, 70 anos depois de sua fundação e em seu melhor momento financeiro, essa responsabilidade ganha uma nova confirmação oficial – desta vez, não apenas por quem a vivencia no dia a dia.
A Papirus tornou-se, neste começo de 2023, a primeira companhia do setor de papelcartão a se certificar como empresa B, ou seja, um negócio que equilibra propósito e lucro – e que atua diretamente na “construção de um sistema econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo para as pessoas e para o planeta”, como propõe o Movimento B, responsável pela certificação. As “B Corporates” têm um compromisso formal de levarem benefícios tangíveis a todos os agentes da sociedade.
Como diz a frase popular, tudo na vida é timing, e o conceito de healing company, trazido pelo livro americano e que culminaria com a entrada da Papirus na jornada rumo ao selo de empresa B, caiu como uma luva em seu momento maduro e de abertura a novos desafios.
A empresa incorporava, então, a tagline “Somos Vita”, refletindo seu DNA transformador, seu compromisso com a sustentabilidade e sua flexibilidade de se adaptar à necessidade dos clientes, e realizava uma série de eventos de consolidação dessas ideias tanto para funcionários da área administrativa quanto da fábrica.
Em paralelo, passou a incentivar também versões renovadas de encontros da liderança para debater os rumos e o futuro da empresa – os chamados healing coffees. Em uma dessas conversas, a tendência do mercado apontou para o Sistema B.
Com a maturidade de quem sempre se reinventou e foi pioneira, a Papirus, encabeçada pelo trio de co-CEOs Amando Varella, Antonio Pupim e Rubens Martins e pelo fundador da companhia, Dante Ramenzoni, entendeu que a oportunidade não só fazia sentido como também representava uma forma de crescimento.
“A Papirus sempre esteve à frente do seu tempo, levando a sério temas como responsabilidade ambiental e social antes mesmo de existirem denominações para essas posturas”, diz o co-CEO Amando Varella.
“A verdade é que, ainda que não conhecêssemos a certificação, nos identificamos com os valores e sabíamos que eles estavam na nossa essência”, completa Amando.
“Apenas bater metas, como as empresas tradicionais fazem, tem um preço muito caro e é muito pobre”, diz Andréa Fortes, cofundadora da Sarau, consultoria de filosofia empresarial que atende a Papirus há mais de uma década. Foi Andréa quem apresentou o conceito de Empresas B para os executivos. “Entendemos cada vez mais que precisamos chegar a novos lugares, dentro e fora das empresas – e isso é cura.”
Era dada a largada para o Movimento B, mas não como uma corrida que pretendia chegar rapidamente ao pódio e, sim, como uma das maiores jornadas de aprendizados da história da companhia.
“O primeiro passo foi pesquisar e estudar o Sistema B”, conta Laudo Tognetta, Gerente de Acabamento e Sistemas de Gestão, escolhido pela diretoria para liderar a empreitada. “Logo percebemos que, historicamente, sempre nos dedicamos às áreas de impacto (cliente, governança, meio ambiente, trabalhadores e comunidade), trabalhadas e analisadas no processo.”
O passo seguinte foi envolver, com conscientização e informação, a grande fortaleza da Papirus: os funcionários, que, naquele momento, além do trabalho diário lidavam com todas as mudanças e dificuldades trazidas pela pandemia de Covid-19.
“Iríamos conduzir o ônibus, mas eram eles quem diriam para onde iríamos, já que dependeríamos de todas as áreas, sem exceção, para avançar: Produção, Supply Chain, RH, Meio Ambiente, Comercial, Controladoria e Governança”, diz Tognetta.
“Também sabíamos que o trabalho não se encerraria com a conquista da certificação, já que a tendência é que esses temas de grande relevância não saiam mais dos holofotes.” Além do mais, o selo B não é uma posição, mas sim um compromisso público de estar num processo de melhoria contínua em relação ao impacto socioambiental da empresa.
Com o “vamos em frente” de todos, Tognetta, a coordenadora de certificações, Alessandra Wenzel, e sua equipe direta, passaram a tratar do lado técnico do projeto: se debruçaram sobre as 250 questões propostas pela avaliação de impacto do Sistema B.
Dedicado, interessado e potente, o time de Tognetta encarou o projeto como uma oportunidade única de desenvolvimento. Em nenhum momento se propôs a simplesmente cumprir itens para conquistar o selo.
Cada tópico foi esmiuçado e debatido, sem pressa, e as rodadas previstas com os certificadores se multiplicaram além do inicialmente previsto – tudo graças à permeabilidade do próprio Sistema B, que se manteve aberto ao diálogo durante todo o trajeto.
Acostumada a indicadores quantitativos, fabris e técnicos, a Papirus navegava desta vez por indicadores qualitativos e humanos, que trouxeram outras conversas para a mesa. Fragilidades vieram à tona, assuntos até então considerados delicados precisaram ser abordados e até mesmo temas que pareciam pontos pacíficos internamente passaram a ser questionados e aprofundados.
“Se não fosse o Sistema B, traríamos temas difíceis para dentro da fábrica? Certamente, como sempre fizemos ao longo de nossa história, mas acredito que isso levaria pelo menos uns dois anos a mais”, reconhece Tognetta.
Antônio Pupim, co-CEO e diretor industrial e de Supply Chain, conta da sua experiência com o processo e a equipe:
“Através da “jornada B”, proporcionamos momentos de troca de experiências entre pessoas incríveis, que experimentaram e endereçaram (seguem fazendo) soluções inovadoras e humanizadas, neste ambiente de gestão empresarial onde somos sempre provocados a encontrar soluções que façam diferença nas relações Capital-Trabalho. Foi gratificante e acalentador.”
Rubens Martins, co-CEO e diretor administrativo, relembra:
“A Papirus utiliza da reciclagem em seu processo desde sua origem e, além de cuidar de todo meio ambiente ao seu redor, transforma com respeito tudo e todos, sempre. Essa certificação mostra ao mundo o quanto nos preocupamos com a vida e o meio ambiente e que fazemos parte de uma sociedade global com o mesmo sentimento. Tudo isto é motivo de muito orgulho para todos nós.”
Sobre os novos desafios, daqui pra frente, o terceiro co-CEO, Amando Varella comenta:
“Discutimos e aprendemos durante todo o processo porque isso faz parte de nossa cultura, é assim que encaramos o desenvolvimento. Sabemos que queremos fazer o certo, mesmo que não saibamos o que ele é exatamente. Provocamos, saímos da zona de conforto e crescemos enquanto profissionais e pessoas. Tentamos, erramos no meio do caminho, pedimos desculpas e vamos acertando.”
A jornada da Papirus rumo à certificação pelo Sistema B gerou também, é claro, mudanças concretas e necessárias, como a alteração no estatuto social, adicionando a cláusula B, que amplia o dever fiduciário da empresa para com todos seus stakeholders (partes interessadas).
Nesta etapa, asseguram-se o compromisso da empresa em ir além dos seus interesses financeiros e econômicos na tomada de decisões estratégicas, assumindo responsabilidades e protegendo sua missão diante de questões sociais e ambientais. Além disso, práticas que sempre foram recorrentes e fluíam de forma natural, como estágios e garantia de produto, passaram a ser formalizadas e divulgadas.
Outro aspecto curioso e corajoso da jornada é sua transparência. A pontuação da empresa é divulgada abertamente na internet, mostrando sua performance em 5 grandes eixos.
No centro de todas as transformações práticas e filosóficas que têm caracterizado o caminho B da Papirus está o estreitamento das relações humanas – seja pela aproximação e troca de ideias com clientes e fornecedores que já são empresas B, seja pelo engajamento e transformação dos colaboradores.
Ao longo do processo, um número cada vez maior de funcionários foi se conscientizando, amadurecendo e absorvendo o significado fundamental de ser uma empresa B: trata-se de fazer parte de uma comunidade em que os membros estão na mesma frequência e falam a mesma língua – também foi a oportunidade perfeita de colocar em prática conceitos fundamentais do programa liderança interno, como protagonismo.
“Só evoluímos dentro da jornada B porque os funcionários entenderam a relevância do que estavam fazendo e viram razão para trabalhar conosco: as fichas caíram, as pessoas fortaleceram seu alinhamento com temas que muitas vezes são valores pessoais e, como não é novidade, quem acredita faz com mais gosto”, reconhece Amando.
“Agora que chegamos, finalmente, ao selo, é fundamental reconhecer toda essa vontade de contribuir e continuar fazendo dar certo”, completa o co-CEO.
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