Receitas simples, resultados surpreendentes

Uma sociedade sustentável exige equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo com ênfase em lidar de forma ética, transparente e justa com clientes, fornecedores, colaboradores e meio ambiente

Para o escritor Nelson Rodrigues, qualquer ideia dita uma só vez permanece inédita. Assim parece ser o entendimento do papel central das pessoas para a sustentabilidade. Vivemos em uma sociedade que cresceu além dos limites, utilizando os recursos naturais mais rápido do que eles podem ser restaurados, liberando resíduos e poluentes acima da capacidade de absorção da biosfera. Foi por isso que, em final da década de 1980, se disseminou o conceito de desenvolvimento sustentável, aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. Puro bom senso. E ainda assim algo extremamente complexo porque envolve mudanças na forma de pensar, viver, produzir e consumir.

Ser sustentável é levar em conta a vida de pessoas, sejam elas clientes, fornecedores, colaboradores ou meros vizinhos. E, também, se preocupar com a qualidade do ar, de plantas, animais, rios e mares. Ainda raras as iniciativas corporativas pautadas pelo respeito ao entorno, ao outro e pelo cuidado com os impactos dos processos industriais. Por isso, a expectativa era grande para conhecer as dez iniciativas selecionadas pela Plataforma Liderança Sustentável, um dos principais centros de excelência no assunto.

No último dia 29 de junho, a equipe de Ricardo Voltolini, o criador da Plataforma, reuniu no evento Líder 2030 Talks, dez casos de empresas que compreenderam a importância de avaliar o impacto dos seus negócios como uma dimensão de seu planejamento estratégico. Mais importante, fizeram tudo isso a partir da perspectiva de Recursos Humanos.

Minutos antes da apresentação, no auditório lotado da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), nós, os especialistas na cobertura jornalística de sustentabilidade há quase duas décadas, disputávamos quem teria o privilégio de tratar do tema diversidade. Imaginávamos ser esta a grande vertente dos departamentos de RH interessados em cultura de sustentabilidade.

Como se sabe, a expectativa é o primeiro passo para a frustração. Igualdade de salários, cargos e oportunidades para homens e mulheres pouco apareceu. O destaque em diversidade foi para a petroquímica Braskem. Segundo Marcelo Arantes, vice-presidente de Pessoas, Comunicação, Marketing e Desenvolvimento Sustentável, a empresa “respeita questões de orientação sexual, raça, gênero, necessidade especiais e deficiência, e foi a primeira a aderir ao manifesto do fórum de diversidade LGBT”. “26% das posições são lideradas por mulheres, em um setor masculinizado, onde antigamente não havia mulheres nas plantas”, diz o executivo que lidera o capital intangível da Braskem.

Ao contrário dos outros casos apresentados, o que incluiu Itaú Unibanco, Algar Telecom, Vale, Coca-Cola, Novelis, Volvo, Nespresso, Duratex e Ambev, a petroquímica brasileira nasceu já com um manifesto público em favor do desenvolvimento sustentável. No quesito ambiental, explica Arantes, a empresa possui um trabalho sistemático de gestão da emissão de gases de efeito estufa. “Somos benchmark em matéria de segurança do trabalho e redução de acidentes e todos os indicadores de sustentabilidade são acompanhados mensalmente pelas equipes”, ele completa.

Em todo investimento que faz, explica Arantes, a companhia, com 8 mil pessoas de 28 nacionalidades avalia o impacto de suas ações para a sociedade, o negócio e o meio ambiente. A começar pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um mapa de metas e estratégias definidas pela Organização das Nações Unidas na busca de um mundo melhor. “Cuidamos de todos, com ações pautadas no dia a dia não só meu, mas de outros dez vice-presidentes”, diz o executivo. Ele conta que ao revisitar sua identidade, a empresa estabeleceu como meta ser uma organização mais humana até 2025, com contribuição cada vez maior para o planeta. “Temos que refletir sobre o legado, sobre como deixar um mundo melhor para devolver a quem virá nas próximas gerações”, ele diz. Simples assim.

Em depoimento gravado em vídeo, o principal executivo da Duratex, Antonio Joaquim de Oliveira descreveu como a sustentabilidade deixou de ser um centro de gastos para agregar valor, ajudando a eliminar custo e desperdício em suas 22 unidades industriais e florestais. “Mudar a cultura toma tempo, e cabe ao RH o papel de catalisador para disseminar a cultura entre os colaboradores”, afirma.

A mudança de mentalidade resultou no mapeamento dos impactos e na definição da estratégia de sustentabilidade da empresa, a Duratex 2025. Para disseminar esse conhecimento, a empresa criou um jogo explorando, de forma lúdica, o papel da sustentabilidade para cada público: acionista, fornecedor, comunidade, funcionário e cliente. Ao iniciar o programa de capacitação, 90% dos funcionários diziam que sustentabilidade significava fazer coleta seletiva. Três anos depois, eles entendem que se trata da visão sistêmica do negócio.

As transformações parecem ocorrer de forma mais rápida em organizações nas quais a preocupação com o impacto socioambiental começa pelo topo da hierarquia. Foi o caso da Algar Telecom, onde os líderes encararam a temática de responsabilidade social não como oportunidade, mas como diferencial. O caminho foi criar uma assessoria ligada à presidência, que formou comitê multidisciplinar com 49 pessoas e a missão de se reunir a cada dois meses para debater prioridades e critérios para disseminar a temática da sustentabilidade.

“Em cinco anos foram 300 ações, a maioria delas transformadoras”, diz Cristiana Heluy, responsável por Comunicação e Sustentabilidade. “Adequar treinamento e comunicação para cada público e realidade específica foi essencial para o engajamento de todos”, diz Cristiana. A executiva conta que um fator determinante para os líderes foi a remuneração semestral variável, com objetivos atrelados a questões socioambientais.

Um importante passo foi dado no Líder 2030 Talks, principalmente pelo reconhecimento do papel que a área de Recursos Humanos deve ter na estruturação de equipes com compromissos que vão além do botom line trimestral. Uma lição que ficou pela fala dos executivos que subiram ao palco foi que reconhecer e dar visibilidade às iniciativas positivas é essencial. Assim como traduzir resultados de sustentabilidade em linguagem corporativa.

O poder do erro no aprendizado

Ninguém duvide do poder educativo do erro. Momento marcante nas apresentações do Líder 2030 Talks foi uma passagem da carreira de Andrea Mota, hoje executiva sênior de Sustentabilidade da Coca-Cola. Na ocasião, por volta de 2003, ela liderava a campanha de marketing que criou uma coleção de quatro embalagens coloridas de refrigerante. O projeto ficou lindo, as cores exuberantes, peroladas, ela lembra. Seria perfeito, não fosse um detalhe: ao adicionar pigmento ao plástico, a garrafa deixava de ser reciclável. Os argumentos sobre esse impacto ambiental das garrafas coloridas não foram suficientes para brecar o projeto, que foi um sucesso de vendas.

“O estrago só não foi tão grande porque foi uma campanha de verão”, conta Andrea. O aprendizado com a iniciativa, porém, deixou muitos frutos. Um deles é que sustentabilidade deixou de ser uma área isolada dentro da empresa. Hoje um projeto com tamanho impacto socioambiental não vingaria, diz a executiva da Coca-Cola. “Porque o consumidor se importa profundamente com o impacto das empresas e está disposto a pagar a mais por isso”, afirma.

Mais um exemplo da mudança do comportamento de consumo veio na fala de Claudia Politanski, vice-presidente de RH do Itaú Unibanco. O desafio hoje, segundo ela, é que o cliente não compara o relacionamento que tem com o Itaú com aquele recebido no Bradesco, mas com o relacionamento que ele tem com Apple, Amazon, Netflix e outros serviços.