Um “divergente positivo”

Um “divergente positivo”

Por José Gonçales Junior

Após sair de um auditório em São Paulo e ouvir as sábias e profundas reflexões de Sara Parkin (Forum for The Future), ambientalista e consultora do Governo Britânico sobre sustentabilidade,  a respeito de quem são e o que são os “divergentes positivos”, não pude deixar de buscar em minha mente quais fatores na vida dessas pessoas contribuíram para que agissem e pensassem tão “fora da caixinha” e de forma tão inovadora e futurista.

Alguns fatores ressaltados por ela já são nossos conhecidos de longo tempo, como a insistência em perceber tudo o que se faz não a partir de uma visão imediatista, mas sim, de longo prazo, a resiliência em expor e sustentar pontos de vista sociais, ambientais e econômicos que se chocam com o establishment econômico no qual vivemos e uma sólida percepção extrassensorial dos múltiplos impactos socioambientais que provocamos quando tomamos decisões dentro das empresas a respeito dos milhares de produtos que fabricamos – a isso damos o nome de visão multidisciplinar ou sistêmica. Um dos aspectos que Sara ressaltou a respeito desse líder que está construindo modelos de produção e vida mais sustentáveis é a forte insistência mesmo diante do fato de “estar rodeado por estruturas institucionais erradas, processos equivocados e pessoas teimosamente não cooperativas”. Esse líder ainda prospera e expõe seu posicionamento destoante.

Daí, nova pergunta me chega à mente: porque tanta insistência? Não chega a ser uma visão utópica de mundo? Uma meta dificilmente alcançável em um mundo que aspira crescimento econômico acelerado e aumento constante do consumo e do padrão de vida das pessoas?

Procurei traçar alguns perfis, linhas de personalidade, características pessoais que dessem um formato para esse líder, que o sustentassem teórica, emocional e até espiritualmente diante do intenso debate e enfrentamento entre visões de curtíssimo prazo, do aqui e agora dos negócios, e de longo prazo, vinculadas ao respeito aos ciclos ecológicos do planeta e à preservação dos recursos para as gerações que virão.

Encontrei na breve reflexão que Sara me causou traços que talvez deem alguma pista a respeito sobre as bases comportamentais e culturais desse líder cresceu e como ele se consolidou em um “divergente positivo” em prol da sustentabilidade.

Um deles me relembrou imediatamente Ray Anderson (Interface Co), em quem muito me chamou a atenção suas reflexões expostas no documentário Corporation, de Mark Abot, e em uma palestra magistral proferida em um TED em 2009, no qual disse a plateia que, em algum momento de sua vida, sofreu uma profunda revisão de valores, ocasionada pelo contato com uma tese que contrariava fortemente seus interesses pessoais e empresariais.

Ele havia se defrontado com o livro de Paul Hawkins, A Ecologia do Comércio, fato que o fez repensar a respeito dos impactos ambientais elevados da área em que atuava – indústria de carpete a partir do uso intensivo de derivados do petróleo e de energia. No espaço de um diálogo silencioso entre um livro e o líder empresarial de um modelo produtivo clássico, nasciam os argumentos suficientes para provar que a Interface e suas externalidades ambientais constituíam uma ameaça para o futuro da humanidade.

Não deixei de considerar novamente o incrível poder das palavras e dos argumentos – expressos ali em forma de livro -, suficiente para colocar o modelo econômico e produtivo de Anderson em cheque. Daí, novamente a velha e nova conclusão de que a educação para a sustentabilidade e a sistematização de pesquisas e reflexões sobre a inviável civilização da economia marrom e insustentável continuam e serão a chave para atingirmos uma mudança fundamental nos rumos de como se produz, consome e se pensa o desenvolvimento humano; para além do paradigma cartesiano monitorado por números e gráficos de crescimento no curto prazo e descaso absoluto com o longo prazo.

Sara me instigou novamente a refletir sobre esse indivíduo, geralmente combatido e mal entendido, que, mesmo assim, prossegue na luta no seu campo de atuação, divergindo de boa parte das estratégias de produção que estão aí colocadas, ao mesmo tempo que sinalizam e expõem novas estratégias para a construção de uma sociedade melhor e ambientalmente sustentável para as próximas gerações.

Isso resulta em mais artigos e reflexões a respeito de como esse líder se formou, onde se inspirou, por que mudou e neste espaço interessante e rico da Plataforma, pois as histórias de inspiração nunca se esgotam, e a própria Sara é um exemplo de líder em tempos de mudanças – divergente e positivo, cujas fontes de inspiração são complexas e sábias como pede a era em que vivemos.

José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade pela FGV/SP, consultor em Desenvolvimento Sustentável, docente de pós-graduação em faculdades em Campinas e São Paulo na área ambiental – sustentabilidade e ambientalista.

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