Sustentabilidade e branding: consumidores querem se abrigar sob marcas com caráter

Sustentabilidade e branding: consumidores querem se abrigar sob marcas com caráter

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Há duas semanas, no final de uma palestra, uma moça me perguntou à queima roupa se eu “achava válido o ‘branding sustentável’”. Confesso que, por rabugice (na real, horror a invencionices conceituais), cheguei a pensar em responder que não tinha opinião formada. Mas, por respeito, aceitei a conversa não sem antes checar se havia compreendido bem o que ela queria dizer com aquele nome. Era uma profissional de marketing. Entendi que se referia ao uso dos valores da sustentabilidade para a construção de marcas.

Respondi-lhe juntando duas definições muito particulares. Se marca é o conjunto de impressões formadas pelas pessoas a respeito de um produto ou uma empresa; e se sustentabilidade é um jeito novo de pensar e fazer negócios com mais ética, transparência, responsabilidade, diversidade, respeito ao outro e ao meio ambiente; logo uma marca afinada com o conceito de sustentabilidade é aquela que consegue ser percebida por seus públicos de interesse (mais do que consumidores) não apenas pelos benefícios do seu produto ou serviço (a parte material da oferta), mas por suas crenças, princípios e atitudes (o pedaço imaterial, que define o caráter, a personalidade, o jeito de ser).

Ligeiramente frustrada — ela talvez esperasse uma resposta mais compatível com a minha bagagem “técnica” —, a moça asseverou que “concordava em tese”, mas que, em seu entendimento, o aspecto imaterial era acessório (portanto, menos relevante) e definitivamente não decisivo na formação de percepção sobre uma marca. Pensei em usar o exemplo do vendedor de carro (volto a ele no próximo artigo), mas achei que era hora de convocar para conversa gente mais esclarecida do que eu, como Giles Lipovetski, Philip Kotler, Raj Sisodia, John Mackey, Hamish Pringle e Marjorie Thonpson.

Lipovetski, o pensador francês, cunhou uma expressão que me ajuda a botar um pouco de luz nessa história. É o “marquetique”, uma mistura de marketing com ética. Segundo ele, uma empresa não pode mais apenas vender produtos. Precisa criar uma relação profunda com os seus públicos, sintonizando a sua marca com os valores cultuados pela sociedade. Isso equivale, a rigor, ao que pontifica o papa do marketing Philip Kotler, em seu livro Marketing 3.0. E é exatamente o que pregam Sisodia e Mackey quando tratam, em Capitalismo Consciente, da ideia de que o lucro mais legítimo advirá de empresas com propósito, liderança sustentável, cultura de valores e foco em stakeholders. Nesse sentido — alerto a moça de Marketing —, qualquer comunicação empresarial que quiser se valer de sustentabilidade deverá funcionar como reforço a um sistema de valores, integrando e utilizando a ética como vetor de legitimidade institucional.

Para entender o marquetique é necessário antes compreender as condições que lhe favorecem no contexto dos negócios. E elas estão ligadas a uma mudança importante no modo como as marcas hoje são construídas. Na opinião dos ingleses Pringle e Thonpson, autores de Marketing Social, as marcas consistem em promessas que levam os consumidores a desejar, no curto prazo, um valor muitas vezes superior ao oferecido pela experiência do produto. Marcas fortes são, portanto, as que procuram recompensar os consumidores, dando-lhes mais do que esperam, em termos funcionais e emocionais. A natureza e o objetivo da promessa da marca — sabe-se — evoluíram ao longo dos últimos 50 anos de uma base essencialmente racional (os benefícios concretos do produto) para outra mais emocional (a promoção de um estilo de vida ao qual o consumidor aspira ou a uma emoção forte com a qual ele se identifica).

Certamente as marcas seguirão proporcionando recompensas racionais e emocionais. Mas essas dimensões não serão mais suficientes. Na crista de uma “terceira onda”, nascida neste início de milênio, as promessas passaram a frequentar um território antes não delimitado, assumindo também compromissos éticos. Assim, daqui por diante, não bastará ao consumidor apenas reconhecer o valor entregue por um produto, nem só o tipo de imagem associada a ele. Importará cada vez mais captar o “espírito” da marca, o seu éter, o seu ethos. Nesse novo cenário, acelerado pela ascensão das tecnologias de comunicação, espera-se cada vez mais reações duras e críticas a empresas que se dizem éticas e mantêm o expediente do pagamento de propinas a agentes públicos, a companhias que discursam sobre diversidade e exploram a mulher como objeto sexual em propagandas de TV e a corporações que se avaliam como nota 10 em transparência, mas insistem em esconder informações importantes nos rótulos de produtos.

O novo consumidor — alerto mais uma vez a minha interlocutora — já não admitirá mais “ser escolhido” por marcas com maior poder de fogo de comunicação. Nem ser presa fácil daquelas que vendem produtos baratos que custaram caro para a sociedade e o planeta. Mais cidadão, mais atento ao poder do seu ato de consumo, o consumidor desses tempos quer se abrigar sob marcas que tenham caráter, personalidade e valores claros. Que pensem e ajam como gente honesta e decente. Quem entender isso poderá criar uma vantagem competitiva. Quem não entender correrá o risco de ficar fora do jogo. Volto ao assunto no próximo artigo.

Ricardo Voltolini é diretor-presidente de Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade, idealizador da Plataforma Liderança Sustentável e autor de Conversas com Líderes Sustentáveis (Senac-SP/2011) e Escolas de Líderes Sustentáveis (Elsevier/2014).

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