Por que as sociedades estão perdendo a fé nas tecnologias verdes?

Por que as sociedades estão perdendo a fé nas tecnologias verdes?

Por Fabián Echegaray

Poucos temas têm dominado o debate público e a agenda política nos últimos anos como as mudanças climáticas e o aquecimento global. Tanto nos meios de comunicação como entre as prioridades e preocupações do público, o tema ganhou um espaço que antes não tinha. Filmes-catástrofe como O Dia Depois de Amanhã ou documentários premiados como Uma Verdade Inconveniente contribuíram para que o grande público saísse da indiferença.

Muito além da ficção, o tom dramático, urgente e pessimista une segmentos de todo tipo. “Este é um livro sobre pesadelos, catástrofes” adverte o sociólogo Anthony Giddens em seu recente livro, A Política da Mudança Climática.

“O aquecimento global deve ser visto como uma ameaça econômica e à nossa segurança”, denunciou, em seu momento, o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan. “As mudanças climáticas constituem um dos maiores desafios do nosso tempo”, apontava a carta aberta do Instituto Ethos, no Brasil, quatro anos atrás.[1]

Por sua vez, o líder social e ambientalista Lester Brown alerta que as mudanças climáticas significam menos comida e mais fome, sendo que o seu livro Plano B apresenta como subtítulo “mobilização para salvar a civilização”.

Embora muitas dessas vozes venham do Primeiro Mundo, o eco chegou com força até os países emergentes como o Brasil: o tema multiplicou por sete seu espaço na mídia,[2] ao mesmo tempo em que o número de eventos climáticos extremos ao redor do planeta cresceu de modo proporcional à sua intensidade.

Registros privados, iniciados em 2004, indicavam a ocorrência de 640 eventos catastróficos, que deixaram como saldo 11.600 vítimas fatais e quase 108 bilhões de dólares em perdas; em 2012 os eventos somaram 905, com 8.900 vítimas fatais e 150 bilhões de dólares em prejuízos.[3]

E se no ano de 2000 o desvio da média de temperatura do século 20 se limitou a 0,40 graus Celsius, em 2012 chegava a 0,67.[4] Tanto as catástrofes como as mudanças abruptas na temperatura colocam o tema no radar e na realidade das sociedades (e não só das suas elites científicas ou ambientalistas), e facilitam a sua visibilidade, assim como as atitudes e opiniões sobre o assunto.

Como resultado, o assunto instalou-se nas nossas sociedades. Na Europa, a grande maioria da população considera os perigos das mudanças climáticas um problema mais sério se comparado à crise financeira, ficando atrás apenas da pobreza.[5]

No mesmo sentido, uma ampla maioria de norte-americanos expressa ter sido afetada pessoalmente por eventos climáticos extremos nos últimos 12 meses, associando essas ocorrências diretamente ao aquecimento global.[6]

A escala global, uma pesquisa feita em 18 países de todos os continentes, indica que 50% da população mundial consideram as mudanças climáticas um problema muito sério, enquanto outro 31% consideram-no um razoavelmente sério.[7]

A recente atualização do relatório do IPCC sobre mudanças climáticas deverá reanimar a atenção mundial sobre o tema nos próximos meses, com um alerta reforçado, uma vez que a comunidade científica internacional aponta com um grau de precisão nunca enunciado antes que, com 95% de certeza, a atividade humana é a causadora das brutais oscilações do clima e suas consequências sociais, econômicas e ambientais.

O relatório confirma que, fruto da expansão agrícola, industrial, urbana e demográfica, será ultrapassado o aumento de dois graus, para além do qual os efeitos ambientais serão previsivelmente imprevisíveis. Ele também ratifica as predições de elevação do nível do mar e de maior grau de concentração de gases de efeito estufa em 800 mil anos.[8] E corrobora que, junto com vários outros países emergentes, o Brasil será um dos mais afetados.

Apostar em novas tecnologias ou novos estilos de vida?

Diante das comprovações, o foco passa a estar agora nas soluções: dar preferência às mudanças nos estilos de vida ou às mudanças trazidas pela tecnologia? Na medida em que as diferentes partes envolvidas encaram as alternativas válidas de ação condicionadas pelos seus valores e interesses, o equilíbrio entre ambos os caminhos se vê naturalmente afetado.

Por exemplo, as empresas, alguns setores da comunidade científica e os governos (como ministérios de economia, planejamento, educação e tecnologia) trabalham com a premissa naturalizada de que o risco ou desafio climático e ambiental não só representa uma situação de pressão como também um cenário de oportunidades.

E boa parte delas está vinculada à geração e à oferta, por exemplo, de inovações em procedimentos e soluções tecnológicas (tais como geradores de energia limpa, equipamentos que aumentem a eficiência energética e a racionalização do consumo de água, métodos verdes de construção civil, reengenharia biomimética e desenhos inteligentes de produtos e embalagens, ampliação dos processos de reciclagem e outras), o que inclinaria a balança em favor da preferência por saídas por meio da tecnologia – a promessa da “economia verde”.

Por outro lado, ONGs e entidades da sociedade civil, outros setores dos governos (como ministérios da saúde e meio ambiente), assim como inúmeros membros da comunidade acadêmica, questionam a eficácia das respostas tecnológicas e interpretam que o principal objetivo efetivo no longo prazo passa por modificar substancialmente as condutas pessoais e a aspiração em manter níveis de consumo insustentáveis, induzindo a uma priorização pela mudança nos estilos de vida.  Para muitos deles, as respostas tecnológicas são uma quimera que termina escondendo ou aninhando problemas e riscos ainda maiores posteriormente.

A tensão entre essas opções específicas também é nutrida por debates relativos a quão genuína é a predisposição dos indivíduos a apropriar-se ou não do problema, pois essa escolha implica um alinhamento com estratégias que envolvem o indivíduo de maneira central.

A questão sobre até que ponto as respostas à crise ambiental devem vir de mudanças nos hábitos e valores pessoais ou de mudanças externas impulsionadas por inovações tecnológicas se constitui, assim, em um indicador-chave da intensidade dos compromissos pessoais com o tema, do grau de autorresponsabilização vigente e da percepção de empoderamento individual existente.

Essa tensão também reflete parte das contradições naturais da modernidade. Nesse sentido, a fé na saída tecnológica é uma derivação natural da crença moderna que consagra o domínio racional das atividades e processos.

Quanto mais ricos, mais céticos sobre a tecnologia

Curiosamente, é entre as nações mais avançadas industrial e tecnologicamente, pioneiras na modernização e racionalização de processos, que se concentra a maior resistência a apoiar essa opção pela salvação tecnológica. Se elas conseguiram converter pioneirismo tecnológico em bem-estar econômico e social, não deveriam apostar com maior afinco numa solução apoiada na tecnologia?  Como demonstraram Kim, Choi e Wang,[9] o grau de afluência econômica é determinante na maneira como os países lidam com as mudanças climáticas.

A riqueza reflete uma maior vivência com o avanço tecnológico e com os perigos dele decorrentes. As inovações que permitiram acelerar o crescimento econômico, acumular bens e garantir bem-estar também geraram impactos sociais e ambientais cada vez menos ignorados como “externalidades” e cada vez mais visíveis como riscos ou problemas. Resultado: existe uma relação negativa entre a riqueza da nação e o apoio à tecnologia.

Quando o foco recai sobre as nações em desenvolvimento, sabemos que a falta de recursos está diretamente relacionada com a vulnerabilidade. Embora a pobreza não seja sinônimo de vulnerabilidade, ela expressa, sim, a capacidade de lidar com o problema. Na medida em que indivíduos dos países emergentes exibem uma percepção de risco mais acentuada da situação, é natural estarem mais propensos a depositar suas expectativas sobre a tecnologia (negando ou desconhecendo os efeitos colaterais da industrialização), uma vez que possuem poucos recursos para se mobilizar de outras formas.

A complexa influência da sustentabilidade corporativa

Para aqueles que rejeitam o reducionismo econômico como forma de ler o funcionamento do mundo, uma possível explicação alternativa tem a ver com a maturidade institucional das sociedades. De forma geral, países que possuem instituições sociais mais desenvolvidas (por exemplo, aqueles que se apoiam na autorregulação, permitem a livre circulação de ideias e propostas, estimulam a sustentabilidade corporativa, comunicam livremente os impactos positivos e negativos da atuação corporativa sobre a sociedade e meio ambiente) tendem a apresentar maior capacidade de inovação e adaptação diante de desafios coletivos como as mudanças climáticas.

Esse é o ambiente propício para o progresso das ideias, a valorização do conhecimento e a modernização apoiada na tecnologia. Ao mesmo tempo, sociedades abertas com democracias sólidas e empresas trilhando o caminho da sustentabilidade de forma mais consistente encontram limitações para socializar os custos de absorver medidas que afetem os interesses das suas clientelas, como eleitores e consumidores.

Nesse sentido, as condições institucionais tenderiam a favorecer respostas que descansem menos na internalização de custos maiores entre seus públicos de relacionamento (tais como a mudança de hábitos e estilos de vida) e mais nos avanços tecnológicos, que não exigem medidas antipáticas.

Se tomarmos o grau de sustentabilidade corporativa como indicador de progresso institucional e considerarmos o número de empresas publicando relatórios socioambientais no padrão GRI como referência, descobriremos que existe uma relação bastante complexa entre maturidade institucional e favorecimento da opção tecnológica.

O desenvolvimento institucional beneficia a fé na tecnologia, porém, após certo umbral de maturidade, essa relação se inverte, revelando críticas à solução tecnológica nas sociedades mais avançadas em termos de engajamento corporativo com a sustentabilidade. São exemplos dessa relação os Estados Unidos e a Espanha, países com as mais elevadas taxas de publicação de relatórios de sustentabilidade no formato GRI e população crescentemente cética quanto às soluções tecnológicas para o problema das mudanças climáticas.


O desenvolvimento industrial e o altíssimo engajamento socioambiental do mundo empresarial compõem, hoje, o ambiente no qual se nutre a maior resistência a expressões da economia verde como modelo de resposta às mudanças climáticas. Isso representa um sinal de alerta, uma vez que, paradoxalmente, é nas nações com essas duas características que surge a grande maioria de inovações. Alguns podem se sentir tentados a interpretar tais resultados como pura contradição, hipocrisia ou inconstância dos cidadãos de países onde isso ocorre.

Outros podem lembrar que são essas sociedades as que mais favorecem a escolarização da população, um senso de responsabilização individual e a liderança empresarial em sustentabilidade, situação ideal para se autorrefletir sobre os efeitos coletivos das decisões cotidianas de compra, uso e descarte de cada cidadão (assim como da influência corporativa nessas escolhas). Resultado: uma maior ênfase nos estilos de vida. Talvez a leitura mais pragmática seja a de entender que essa confluência – de maior desenvolvimento e menor fé na tecnologia – sugere no mínimo a necessidade de planejar e posicionar as soluções tecnológicas como mecanismo facilitador de mudança nos hábitos pessoais.

[1] Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas assinada por 22 empresas durante o Seminário “Brasil e as Mudanças Climáticas: Oportunidades para uma Economia de Baixo Carbono”, em 25 de agosto de 2009. O documento é uma iniciativa do Instituto Ethos, Vale e Fórum Amazônia Sustentável. O evento foi organizado pelo Valor Econômico e Globonews, com apoio do Instituto Ethos.

[2] Por exemplo, segundo arquivos do principal jornal do Brasil,Folha de São Paulo, a média de noticias sobre esse assunto saltou de 129 entre os anos 2000-2001 para 919 entre 2009-2010, com um crescimento bastante linear durante os anos intermediários.

[3] Munich Re, NatCat service, 2013.  Os dados de vítimas fatais e perdas consideram somente os resultantes de eventos climatológicos, hidrológicos e meteorológicos, e excluem os vinculados a fenômenos geológicos naturais como os vulcanológicos, terremotos e tsunamis.

[4] NOAA, National climatic data center, US Dept of Commerce, 2013. Disponível em: http://www.ncdc.noaa.gov/cag/time-series/global, acessado em 28/10/2013.

[5] Pesquisa Eurobarometer, realizada pela TNS Opinion & Social. Dados coletados em junho de 2011 com 27.000 pessoas com mais de 15 anos em 27 países. Disponível em: <http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_372_en.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2012.

[6] Pesquisa “Extreme Weather, Climate & Preparedness in the American Mind”, realizada pela Yale Project on Climate Change Communication e pela George Mason University Center for Climate Change Communication. Dados coletados em março de 2012 com 1.008 norte-americanos com 18 anos ou mais. Disponível em: <http://environment.yale.edu/climate/files/Six-Americas-March-2012.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2012.
[7] Pesquisa Radar Omnibus realizada pela GlobeScan. Dados coletados entre julho e setembro de 2012 com 10.000 pessoas de 18 anos ou mais em 18 países.
[8] Grupo de trabalho I do IPCC, Intergovernamental Panel on Climate Change.  “Climate Change 2013: The physical Science basis. Final Draft Underlying Scientific-Technical Assessment”, Setembro de 2013. Disponível em: http://www.climatechange2013.org/images/uploads/WGIAR5_WGI-12Doc2b_FinalDraft_All.pdf. Acessado em 28/10/2013.
[9] KIM, S.; CHOI, S.; WANG, J. 2013. Individual perception vs. structural context: searching for multilevel determinants of science-technology acceptance across 34 countriesScience and Public Policy.

Fabián Echegaray é Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA) e diretor-geral da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social.

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