Especial – Responsabilidade Social, uma revisão de valores, práticas e consciências (parte 2)

Especial – Responsabilidade Social, uma revisão de valores, práticas e consciências (parte 2)

Mito 1: responsabilidade social é custo ou investimento?
Um mito que começa a ruir, no processo de evolução do debate sobre o tema no Brasil, é o de que responsabilidade social prejudica o lucro. Entre outras razões, porque sua implantação implica novos custos que, incorporados ao preço dos produtos, poderão gerar perda de competitividade, na medida em que o consumidor não está disposto a pagar mais pelo adicional de valor.
Para os entrevistados de Idéiasocial, lucro e responsabilidade social não são excludentes. E, nos tempos atuais, mais do que possível, é desejável que os dois sejam conciliados em nome da melhor qualidade de vida do Planeta e das pessoas que nele habitam. “Lucro é bom, pois gera empregos, impostos e desenvolvimento. Mas o tempo do lucro obtido de forma predatória já passou. A nova ordem é compatibilizar lucro com o desenvolvimento social e ambiental. E não por ideologia, mas para atender a uma visão mais abrangente da relação negócio-sociedade”, avalia o gerente da Fundação Belgo.
Na opinião de Martins, da Gerdau, lucro bom é aquele que não promove a desigualdade. “Uma empresa tem dificuldade de crescer em uma sociedade marcada por grande distância entre muitos pobres e poucos ricos. Minimizar este quadro também é papel do segundo setor. Em uma sociedade mais justa, a empresa vende mais produtos”, explica.
Boechat compartilha do mesmo ponto de vista. “Companhias não são ilhas de prosperidade desligadas do mar de mazelas sociais que se estende em seu entorno. Alguns podem se enganar, achando que sim. Mas quem trabalha nas empresas são pessoas, que vivem e sofrem na pele os efeitos de uma sociedade desigual”, conta.
Responsabilidade Social gera custos sim. Mas – para os entrevistados – este custo deve ser visto como investimento. Para o professor da Fundação Dom Cabral, orientadas pelo imperativo da competitividade, muitas empresas se esquecem, por exemplo, de incluir o custo ambiental no preço de produtos. “Tome o exemplo hipotético de uma mineradora. Ela se instala em uma região, extrai a maior quantidade possível de minério e vai embora sem recompor a paisagem local, desconsiderando o custo de recuperação ambiental nos seus preços. Assim, acredita que vai lucrar mais, deixando a conta para alguém pagar. Além de fazer um trabalho imperfeito, ela rifa o seu futuro, comprometendo sua sustentabilidade”, ensina.
Gloor concorda com o especialista da Fundação Dom Cabral. “Em alguns casos o custo inicial pode ser alto, principalmente para quem tem passivo socioambiental. Quem quis ganhar muito sem considerar esses aspectos pode ter agora de colocar mais dinheiro na hora de alcançar o equilíbrio entre o dever e o haver”, finaliza.
Um modo de “compartilhar” os custos é, por exemplo, desenvolver fornecedores e clientes, transformando-os em aliados do conceito de responsabilidade social. A Belgo e a Vale do Rio Doce mantêm programas educativos específicos nos quais propõem uma revisão de práticas “A idéia é reforçar a nossa crença, mostrar as conseqüências geradas pela ausência de responsabilidade social e deixar claro que desejamos fornecedores com visão semelhante”, conta Gloor.
“Trabalhar dentro de padrões éticos e responsáveis pressupõe grande esforço da empresa com os seus parceiros. A tentação de ceder a fornecedores ilícitos pensando em lucro imediato é grande. Mas a questão do preço não pode ser o item numero um do processo competitivo. Há valores e princípios que a antecedem e devem nortear a empresa”, avalia a superintendente da Vale.
Mito 2: Empresas fazem o papel de um Estado ineficaz ?
Um segundo mito que também vem perdendo força é o de que, ao investir em desenvolvimento social, as empresas, que já pagam altos tributos, estariam fazendo o papel do Estado, caro, corrupto e ineficiente no Brasil. Ninguém tem dúvidas de que governos são, regra geral, ineptos na gestão da coisa pública e na manutenção do “estado de bem-estar social”. Mas em vez substituir o Estado –tarefa tão impossível quanto ingênua – a idéia em ascensão é a de compartilhamento de responsabilidades.
De acordo com Gloor, o discurso do “paguei meus impostos, então já fiz minha parte” está em franca decadência. Diante do contexto de desigualdades que respingam diretamente na vida de uma empresa e das pessoas que nela vivem, a “política do avestruz” consiste em equívoco grave. O problema –reforça –não vai deixar de existir apenas porque a empresa enfia a cabeça debaixo da terra para não vê-lo “O poder público não evoluiu o suficiente no Brasil para dar conta das suas atribuições. Por outro lado, empresários mais conscientes percebem que o problema da comunidade também é o seu problema. Co-responsabilizar-se pela solução tem sido o caminho escolhido por empresas socialmente responsáveis, um caminho, no meu modo de ver, sem volta, na medida em que nasce de um novo despertar de consciência crescentemente cobrado pela sociedade”
Mudança de valores começa entre as “pessoas físicas”
Os entrevistados de Idéiasocial também concordam em um ponto: a transição do discurso para a prática da responsabilidade social nas “pessoas jurídicas” passa necessariamente por uma mudança no comportamento das “pessoas físicas” que as povoam. Os que estão no topo do cronograma têm evidentemente maior responsabilidade na medida em que podem usar o seu cargo para induzir uma nova cultura. Mas quem está na base precisa incorporar valores também novos sob pena de reproduzir, no limite de suas atividades cotidianas, práticas antigas que, como na brincadeira do cabo de guerra, puxam a corda no sentido contrário ao que prega a responsabilidade social.
“Uma coisa é o presidente da empresa falar sobre o compromisso com a sociedade, a outra é o gerente de suprimentos internalizar esse discurso em suas atividades diárias”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral. “Há especificidades nos modelos de gestão. Nem todos os departamentos têm preocupações sociais e ambientais. Para um gestor financeiro, por exemplo, sua meta é fazer o dinheiro aumentar, tomando decisões que, por estarem desvinculadas da noção de impacto na sociedade, podem sabotar a política de responsabilidade social da empresa”, diz.
Segundo o gerente da Fundação Belgo, a mudança necessária deve se operar no íntimo do indivíduo como “pessoa física” e não apenas no sujeito investido da função de empregado. Para Gloor, não se pode ter consciência de responsabilidade social apenas das 8 às 18 horas. Mas é, durante o expediente, que o funcionário começa a repensar seus valores e práticas, procurando se adequar à nova diretriz proposta pela empresa. Este movimento—acredita –vai repercutir em comportamento mais compromissado também fora da empresa. “Diante do dilema de tomar uma atitude socialmente responsável ou apurar um ganho financeiro imediato, um funcionário sem consciência vai optar pelo segundo, especialmente se a lógica de seu departamento cria ambiente favorável para esta decisão. Algumas empresas já conseguem fazer, por exemplo, com que um gerente de suprimentos aceite trabalhar com um fornecedor que oferece preço maior porque tem postura socialmente responsável. Mas se, para tanto, ele tiver de abrir mão de um possível bônus por diminuição de custos, haverá um conflito de interesses”, diz .
Para Boechat, a responsabilidade social é um processo complexo de mudança cultural cuja indução deve ser feita por atores internos, mas também por quem está fora das empresas. Em sua opinião, os consumidores e a concorrência podem representar importantes fatores de persuasão.”A preferência por consumir produtos socialmente responsáveis, pagando até uma sobrepreço por eles, consiste em uma atitude propositiva dos consumidores. A constatação de que o concorrente consegue fabricar um produto de qualidade semelhante sem poluir o rio, também é um instrumento de pressão para a mudança. Nenhuma empresa quer passar atestado de desleixo e incompetência para a sociedade”, afirma.
Segundo o professor da Fundação Dom Cabral, a mudança requer, por um lado, a existência de um “advogado da causa”, representado pelo principal executivo da empresa, e por outro um diálogo sinérgico e bem articulado entre todos os setores da empresa. “As companhias acabam funcionando como Frankensteins, um ajuntamento de partes sem visão do todo. Deste modo, as pessoas fazem o que individualmente acham melhor. Quando têm uma visão setorizada, tendem a perceber melhor o impacto de atitudes como as de responsabilidade social. É preciso aumentar a capacidade das pessoas de agir de acordo com valores comuns”, finaliza.

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