Dossiê Verde – O consumidor e a sustentabilidade empresarial

Dossiê Verde – O consumidor e a sustentabilidade empresarial

Por Bruno Barreiros

Quando se dá voz aos consumidores sobre o tema da sustentabilidade empresarial, há sempre algo inesperado para os ouvidos dos líderes. Opiniões, atitudes e comportamentos não previstos abrem caminhos para ideias e novos modos de diferenciação, em uma sociedade que não apenas vem mostrando mais maturidade diante da proposta de uma economia sustentável como também maior engajamento com a qualidade de vida das futuras gerações.

Como o cenário da sustentabilidade empresarial é percebido pelos consumidores? Quais são os players que surgem como benchmarks e os contraexemplos em responsabilidade socioambiental? Como essa avaliação está presente nos comportamentos dos consumidores?  Nesta última edição do Monitor de Responsabilidade Social Corporativa (MRSC 2011), do instituto Market Analysis, investigamos a ação e a atitude dos consumidores em relação à sustentabilidade empresarial e novas tendências se descortinaram: 1) ao redor do mundo, empresas nacionais tendem a se sobressair diante das multinacionais nos rankings de responsabilidade corporativa; 2) as empresas tidas como mais sustentáveis no Brasil são premiadas, ao passo que as piores tendem a ser punidas; 3) há um progresso no consumo sustentável brasileiro – a indiferença tem cedido espaço para a vontade de tornar-se consciente. A avaliação do desempenho em sustentabilidade empresarial se concretiza diante da análise do grau de reconhecimento do consumidor, retratado nos rankings de piores e melhores em RSC. Trata-se de um convite para que ele aponte os benchmarks e os contraexemplos em sustentabilidade, a partir de seus próprios critérios e definição sobre o que para ele significa sustentabilidade.

Ao longo das edições do MRSC, temos analisado as mudanças na definição de sustentabilidade empresarial para o consumidor brasileiro: de uma visão tripartite pautada nas políticas internas, ações sociais e na contribuição à economia nacional, em 2005, para a mais recente díade socioambiental. A sociedade brasileira vem mostrando sua forma de enxergar a sustentabilidade e as empresas buscam entender as demandas: o desafio tem sido o de tornar a linguagem o mais simples e digerível possível para o consumidor. Por isso, entender como este se posiciona em relação à sustentabilidade empresarial é importante não só para o planejamento da comunicação, mas principalmente para a consolidação de uma política de governança socioambiental efetiva.

Desde o início do estudo do MRSC, há mais de uma década, mostrar-se socioambientalmente responsável produz um impacto maior no recall dos consumidores brasileiros do que ser irresponsável: neste ano, a maioria – 83% – enxerga bons exemplos em sustentabilidade, enquanto apenas 1 em cada 3 consumidores lembra de um antiexemplo. Assim, as lentes do enfoque recompensador são as escolhidas pela demanda brasileira para enxergar o movimento de RSC, revelando um viés cognitivo determinante da percepção do cenário da sustentabilidade empresarial. Isso chama a atenção pelo contraste com a experiência internacional; a adesão ao movimento de responsabilidade corporativa nas sociedades pioneiras ocorreu a partir do boicote às corporações irresponsáveis e não desde o buycott – ou premiação – das empresas responsáveis.

Por que os brasileiros lembram mais facilmente de exemplos responsáveis do que de contraexemplos? Como explicar esse viés cognitivo? Três hipóteses emergem:

1- O argumento da capilaridade institucional: há um volume maior de empresas alinhadas com a sustentabilidade no Brasil do que exemplos de desalinhamento.

Nesta perspectiva, parte-se da premissa de que o consumidor é eficaz na sua avaliação, sugerindo que há mais exemplos do que antiexemplos em RSC. Essa hipótese se sustenta no dado de que o Brasil é o terceiro colocado no ranking mundial de empresas adeptas aos indicadores da GRI (Global Reporting Initiative) para elaboração de relatórios de sustentabilidade, atrás apenas de Estados Unidos e Espanha. Se o argumento parte dessa elevada capilaridade do movimento de sustentabilidade nacional, não há porque questionar a percepção predominantemente positiva do consumidor, fotógrafo da realidade.

2- O argumento da sedução pela comunicação: a comunicação corporativa predominante no Brasil em sustentabilidade é narcisista, favorecendo uma visão distorcida da maturidade do cenário nacional por parte da demanda.

Olhando sob este prisma, o consumidor tem pouca munição disponível para adquirir uma percepção sistêmica (vendo os bons e os maus exemplos) do movimento de RSC em nosso País. Essa ideia se assenta no fato de que o relatório de sustentabilidade das empresas é um dos meios mais raramente utilizados pelos consumidores: segundo o MRSC 2010, apenas 14% do público brasileiro sabe da responsabilidade socioambiental por meio das publicações das empresas. Esse argumento se opõe à primeira hipótese, ao considerar que a informação sobre sustentabilidade empresarial chega principalmente a partir das notícias na mídia e da publicidade, meios muito mais influenciados pelas exigências mercadológicas das empresas (contando o que fazem de bom) do que baseados na proposta de abarcar os sucessos e as pendências – meta mais relacionada ao relatório sustentável no modelo GRI.

3- O argumento da cognição enviesada: as ações positivas em sustentabilidade empresarial possuem maior potencial de cristalização na memória dos consumidores do que os incidentes ou atitudes corporativas irresponsáveis.

Aqui, considera-se que há um volume relativamente homogêneo de informações positivas e negativas sobre sustentabilidade empresarial disponíveis ao consumidor e que as ações dos agentes empresariais sustentáveis se cristalizam mais facilmente na memória do que as ações insustentáveis (piores exemplos em RSC). De acordo com o MRSC 2010, o público brasileiro avalia que apenas 1 em cada 3 empresas no Brasil é socioambientalmente responsável. Se confrontarmos esse dado com a percepção de uma imensa maioria de consumidores (neste ano, 83%) que identificam empresas cumpridoras de responsabilidades socioambientais, vemos que há uma brecha indicativa do viés cognitivo sugerido: a minoria de empresas alinhadas com a sustentabilidade possui maior poder de impacto na mente do consumidor, sendo mais facilmente lembradas do que a maioria percebida como desalinhada e com gestão do tipo business as usual.

Comum aos três argumentos surge a observação de que a sustentabilidade empresarial está no radar dos consumidores e que boas práticas podem ser determinantes nos processos decisórios de consumo, bem como na construção e disseminação da boa reputação empresarial. Mais adiante, veremos quais empresas estão à frente e quais seguem atrasadas em sustentabilidade na visão dos consumidores, assim como suas repercussões no consumo consciente, retratado na forma de premiação às melhores e punição às piores.

Principais players da sustentabilidade empresarial no Brasil: a avaliação do consumidor

Como em todas as edições, o Monitor de Responsabilidade Social Corporativa 2011 fez a seguinte pergunta aos consumidores: “Por favor, me diga o nome de uma grande empresa que você lembra ou pensa como sendo uma empresa que cumpre/não cumpre com suas responsabilidades sociais melhor do que as outras, ou seja, uma empresa responsável/irresponsável.” A questão, portanto, busca respostas espontâneas e está sempre posicionada no início das entrevistas, a fim de evitar vieses para um determinado setor ou organização. Os rankings finais revelam percentuais de menções. De acordo com os resultados, o cenário brasileiro da avaliação da sustentabilidade empresarial (na perspectiva do consumidor) tem uma grande líder: a Petrobras ocupa a primeira posição no ranking das empresas desde 2005, sendo percebida como a empresa que melhor cumpre com suas responsabilidades. Neste ano, foi lembrada por 1 em cada 10 brasileiros. Outro modelo de empresa é a Coca-Cola, protagonista desde o início das mensurações do estudo e vice-líder em 2011.

Ainda que se apresentem como empresas preocupadas com a sustentabilidade, essa imagem positiva não as blinda de aparecer também no ranking das piores, embora em menor intensidade. A petrolífera brasileira surge no topo, subindo algumas posições em relação a 2010 (quando ocupava a 4ª posição). Já a Coca-Cola aliviou sua percepção negativa, aparecendo agora só em 8º lugar dentre as piores em RSC. A Petrobras divide a liderança desse ranking com a Oi, que novamente é apontada pelos brasileiros (desde 2009) como o antiexemplo em matéria de responsabilidade corporativa.

Setorialmente, os bancos despontam no recall espontâneo de bons exemplos: Bradesco (5º), Itaú (8º) e Banco do Brasil (10º). Outro setor evidente entre os melhores em RSC é o varejo, por meio dos desempenhos do Pão de Açúcar (9º) e do Walmart (10º). O varejo também aparece com duas organizações entre as piores – Carrefour (7º) e Casas Bahia (8º). Também com dois representantes setoriais entre os antiexemplos em RSC estão a indústria de bebidas (Ambev e Coca-Cola) e as operadoras de telecomunicações (Oi e Claro).

A identificação das empresas que historicamente despontam nas primeiras posições do ranking de melhores revela benchmarks de atuação e comunicação em RSC junto aos consumidores que podem ajudar na definição de estratégias de sucesso em sustentabilidade.

A corrida pelo maior alinhamento com práticas de sustentabilidade continua sendo ditada pela Petrobras, cuja diferença para a segunda colocada praticamente permaneceu, em relação a 2010. A Coca-Cola também tem destaque no ranking desde 2005, voltando a ocupar a segunda posição em 2011. Alguns atores retornaram à corrida em 2011, como é o caso da Natura e da Nestlé, que haviam saído da disputa em 2010. O Banco do Brasil teve sua única aparição em 2010 e o Bradesco é o único representante dos bancos a permanecer no ranking das cinco melhores em 2011.

A sustentabilidade empresarial ao redor do mundo: lideranças, antiexemplos e o caso da BP

Ao redor do mundo, as maiores marcas continuam dominando o cenário dos bons exemplos em RSC. A Nestlé e a Unilever ganharam espaço mundialmente e, neste ano, já se equiparam à Coca-Cola como as líderes de sustentabilidade aos olhos do consumidor. Contudo, assim como ocorre no microcosmo brasileiro, as melhores em RSC não estão blindadas das críticas dos consumidores e, não raramente, aparecem também entre as piores: no Canadá, Coreia do Sul e Japão, as que possuem melhor desempenho (Walmart, Samsung e Toyota) são também as mais apontadas como antiexemplos.

Outro traço importante desse quadro é o de que a avaliação em sustentabilidade é orientada com base nas realidades nacionais. Assim, empresas líderes nacionalmente tendem a superar as estrangeiras – e isso vale tanto para os bons quanto para os maus exemplos, gerando um mapa global bem delimitado pelas fronteiras nacionais.

A grande exceção à regra de não globalização das avaliações dos consumidores sobre a sustentabilidade empresarial é de cunho negativo: a British Petroleum. O impacto do vazamento no Golfo do México é nítido e ilustrado pelo fato de que a BP agora encabeça a lista espontânea de piores empresas, apesar de em 2010 ter sido pouco mencionada. O vazamento pode ser visto como uma falha de total responsabilidade operacional e as expectativas entre os consumidores são particularmente elevadas na área ambiental.  Tal reação negativa da opinião pública global pode ter sido alavancada não apenas pelo volume de atenção da mídia ao evento, mas também graças à ideia de que a BP comunicava sustentabilidade destacando os seus esforços para ser beyond petroleum (além do petróleo).

O caso da BP é emblemático e merece uma investigação mais detalhada. Até 2010, a petrolífera era mencionada entre as piores em RSC, mas não como em 2011. Sempre houve uma parcela dos consumidores mundiais que criticavam a atuação em sustentabilidade da empresa, mas isso nunca fez com que a BP liderasse o ranking de piores em RSC.

O acidente no Golfo do México é o estopim da mudança radical desse cenário, jogando no chão anos de reputação bem estabelecida e carimbando a empresa com o símbolo da irresponsabilidade, do descaso e da falta de ética. Entre os cidadãos americanos, diretamente impactados pelo acidente, as perdas em reputação foram muito graves. Críticas ferozes também surgiram no Canadá, onde a mídia fez grande cobertura do evento; no Reino Unido, país-sede da BP; e na Alemanha, onde há grande sensibilidade ambiental.

A história da BP aponta a necessidade de não subestimar o julgamento de consumidores, sobretudo em um mundo tecido pelas redes sociais. Um evento de erro operacional pode desencadear repulsas praticamente irreversíveis que se propagam rapidamente por todos os mercados.

Ativismo do consumidor e consumo consciente: quando a opinião se transforma em ação

O ativismo do consumidor se manifesta em diferentes níveis de atitudes, como a preferência e a propaganda boca a boca, o que permite a construção de cinco perfis de comportamento, de acordo com o nível de engajamento com a sustentabilidade: 1) Consumo indiferente: formado pelos consumidores que não utilizam como critério da sua decisão de compra a avaliação da atuação empresarial em sustentabilidade; 2) Consumo aspiracional: contempla os consumidores que consideram a premiação ou a punição de empresas responsáveis, mas que não transformam essa intenção em ação; 3) Consumo de recompensa: pelo qual o brasileiro premia as empresas que julga responsáveis; 4) Consumo de retaliação: por meio do qual o brasileiro pune as empresas irresponsáveis; e 5) Consumo ético: a manifestação máxima do poder de compra em forma de premiação e punição em favor da sustentabilidade.

Quais são os perfis que predominam no mercado de consumo brasileiro? A maior parcela (60%) é indiferente ao consumo sustentável, deixando de premiar e de punir grandes empresas a partir da avaliação em RSC. A aspiração a recompensas e punições efetivas a empresas com base em critérios de sustentabilidade, aproximando-se da ética cotidiana, é o padrão de consumo de 17% da população brasileira, revelando uma parcela significativa que precisa de um impulso para alinhar intenção e ação. Essa alavancagem pode vir das empresas, por meio de uma comunicação capaz de educar o consumidor que está próximo de engajar-se na sustentabilidade.

Já quando se fala em comportamentos efetivos, o consumo de recompensa é mais expressivo do que o consumo de retaliação – 14% e 4% respectivamente –, o que demonstra que a premiação é mais bem assimilada pelo consumidor brasileiro do que a punição de empresas irresponsáveis. A diferença de magnitude dessas duas iniciativas reflete o poder do efeito que as boas práticas em RSC exercem sobre o comportamento do consumidor, inclusive determinando sua decisão de compra e corroborando a propagação de práticas alinhadas com a sustentabilidade. Ainda pouco expressiva é a parcela de brasileiros que praticam o consumo ético, ou seja, que tanto premiam quanto punem empresas: 5%.

O mapa dos perfis de ativismo do consumidor brasileiro revela três tendências sobressalentes:

a) apesar das oscilações, a soma dos comportamentos responsáveis (recompensa, retaliação e ética) se mantém a mesma desde 2006;

b) a aspiração a ser sustentável apresentou tendência de queda até o ano passado, voltando a ganhar terreno neste ano;

c) o consumo indiferente sempre se mostrou predominante (em torno de 60%) sobre as demais categorias de consumo, mas sofreu queda substancial no período 2010-11 (caindo mais de 10%).

Diante dessas tendências, é muito provável que a indiferença tenha cedido espaço para a vontade de se tornar um consumidor sustentável. Nesse sentido, há um progresso no cenário do consumo no Brasil, afinal os aspirantes pensam a respeito, embora não ajam efetivamente, ao passo que os indiferentes sequer consideram a questão.

Quais empresas emergem entre as premiadas e quais são as mais punidas? Um em cada quatro brasileiros (consumo ético, de recompensa e de retaliação) pune e/ou premia empresas a partir de critérios de responsabilidade socioambiental. Esses consumidores apontam muitas empresas que surgem também entre os bons e maus exemplos de atuação em responsabilidade social empresarial.

Entre as empresas premiadas, as quatro primeiras no ranking de melhores em RSC aparecem com força: Natura, Coca-Cola, Nestlé e Petrobras estão entre as mais mencionadas. Outra premiada e integrante do ranking das melhores é o Walmart. Entre as empresas punidas e a lista das piores em RSC, também há convergência: Telefonica, Coca-Cola, Claro, Carrefour, Casas Bahia e Itambé aparecem com evidência em ambas as avaliações.  Assim, no que tange aos principais players da sustentabilidade empresarial, ser exemplo conduz frequentemente a premiações concretas, ao passo que estar entre as piores significa ser punida.

O consumidor ético, ainda raro no País, é capaz de fazer o boicote das empresas que derrapam em responsabilidade socioambiental e o buycott dos melhores exemplos em sustentabilidade. Esse grupo reconhece a capilaridade do movimento em RSC no Brasil, mas exige mais opções, mais qualidade e responsabilidade corporativa, sem que isso tudo implique a “premiumização” dos preços de produtos éticos. Não tão distantes estão os cidadãos que somente recompensam e os que somente retaliam, embora esses dois públicos estejam mais sujeitos a uma percepção enviesada.

Qual é a dimensão do impacto dessas análises para as empresas? A ideia do stakeholder como uma pluralidade de indivíduos distintos em vez de papéis de um mesmo indivíduo não se sustenta. As empresas são formadas por colaboradores que também são consumidores, que vivem em comunidades impactadas de forma positiva ou negativa pelas corporações e, cada vez mais, tornam-se acionistas de fato ou como ambição! Portanto, as empresas são também vulneráveis aos mesmos vieses cognitivos.

Os resultados do MRSC 2011 mostram principalmente que quem repete ou copia as vanguardistas, sem entender o que caracteriza o sucesso dos pioneiros, não tem garantia de obter o reconhecimento da sua competitividade sustentável e, portanto, como líder em responsabilidade socioambiental.

*Bruno Barreiros é analista de pesquisas quantitativas da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social.

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